A aposta ousada na Ucrânia, que se mostrou infrutífera, obrigou o presidente dos Estados Unidos a visar o Oriente Médio. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender como as consequências das políticas atuais de Joe Biden podem prejudicá-lo em 2024.
Os desafios de Joe Biden para conquistar a reeleição à presidência dos EUA são múltiplos. Já se encaminhando para a fronteira com 2024, o presidente necessita enfrentar três fantasmas que o acompanham de perto: o fracasso de investimento na Ucrânia, o massivo descontentamento público em relação ao Oriente Médio e o crescimento de Donald Trump, seu principal adversário.
Países como Polônia, Hungria e Eslováquia já se distanciaram do cenário em relação à Ucrânia. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), receosa, conta com membros argumentando que o país deve aceitar condições russas e negociar concessões. Segundo o jurista, editor e analista de geopolítica Hugo Albuquerque, a situação é complicada por conta da política bélica de Biden.
“O ponto problemático aqui é o princípio que sustenta a doutrina Biden: manutenção da globalização sob controle disciplinar e material dos Estados Unidos. Biden decidiu expandir a OTAN para a Ucrânia sabendo que isso era uma linha vermelha em relação aos russos […]. Biden acelerou um processo de conflito como poucos presidentes americanos fizeram antes.”
A principal contradição, no caso da Ucrânia, é que Biden principalmente se envolveu em um conflito que não constava como prioridade — ou sequer era imaginado — em sua campanha eleitoral. Para Albuquerque, “o governo Biden poderia resgatar uma normalidade institucional nos EUA depois da catástrofe de Trump, ainda mais na pandemia. Mas ele é um foco de belicismo constante e desequilíbrio para o mundo. O saldo é muito negativo“.
Para a professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart, tais ações “reduziram o escopo da diferenciação” que antes existia entre um Biden moderado e um adversário [Trump] mais belicista.
“Ele está se tornando um agente deliberadamente atuante. Ele parte de uma análise [de] que os Estados Unidos, por ele liderar o país, devem participar do conflito. E essas decisões, e discursos que justificam essas decisões, contrariam aquilo que originalmente diferenciava Biden de Trump”, completa Goulart.
Nessa situação, Biden não só “mancha sua imagem” — como afirmou o The Wall Street Journal —, “mas também coloca os EUA em uma delicada situação e tensão interna, uma vez que, se esses conflitos se prolongarem ainda mais, [poderão] resultar em um colapso econômico global, o que aumentaria a inflação e deixaria a população norte-americana em uma situação difícil“.
Com o despontar da guerra entre Israel e o Hamas, Biden notou a oportunidade de voltar a colocar os Estados Unidos como protagonistas internacionais, mas não com a intenção de remediar o conflito — assumindo, portanto, a postura que ajudou a elegê-lo —, mas de continuador e figura central da guerra.
Sendo o único país do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) a vetar a proposta de paz e de cessar-fogo imediato, de autoria brasileira, Biden ainda anunciou a solicitação de US$ 14 bilhões [R$ 69 bilhões] para ajudar Israel, além de auxiliar tropas israelenses com operações terrestres e treinamentos específicos. Essa política, após o saldo negativo na Ucrânia, saltou aos olhos de alguns líderes, mas não do povo.
Em pesquisa realizada pelo instituto Data for Progress, 66% dos eleitores “concordam fortemente” ou “concordam parcialmente” com a afirmação de que os EUA deveriam apelar a um cessar-fogo e a uma diminuição da violência em Gaza.
O mesmo número de eleitores também concorda com a ideia de que os Estados Unidos deveriam aproveitar a sua estreita relação diplomática com Israel para evitar mais violência e mortes de civis. Segundo os dados levantados, isso inclui 80% dos democratas, 57% dos independentes e 56% dos republicanos.
“O apoio total é do governo americano, não do povo americano. Pesquisas mostram reticências, principalmente dos eleitores democratas em relação a enviar mais armas e dinheiro para Israel. As pessoas defendem um cessar-fogo. Agora, se os EUA avançarem na intervenção no Oriente Médio, isso vai fazer o petróleo subir e trará consequências para a inflação global — e isso atinge os EUA em vários sentidos”, explicita Albuquerque.
À esteira da crise, Goulart complementa que, no momento, “há um certo declínio moderado do padrão de vida do americano médio” e o estreitamento do poder econômico das classes médias, ou seja, “que não é universitária ou que tem uma formação precária, mas é densa” — situação que pode pesar na hora da escolha do candidato.
Isso somado, claro, à desconfiança de uma nova campanha de Biden, visto que a anterior assumiu posteriormente uma política muito diferente da que a elegeu. “Ele sustenta o neoliberalismo dos anos 1980, mas isso não gera mais tanta prosperidade interna. Logo, o que ele faz é tentar gerir as consequências disso“, completa Albuquerque.
Cresce o apoio a Trump
Pesquisas recentes indicam que o ex-presidente Donald Trump já aparece como o favorito dos eleitores para o pleito do ano que vem. Um levantamento da última sexta-feira (20) mostra o republicano se fortalecendo, com dois pontos percentuais à frente do atual mandatário, que segue estacionado. Outras sondagens apontam diferenças ainda maiores entre os dois.
Com o cenário de possível crise interna e reticência no campo internacional, a emergência de Trump como candidato fica à sombra de Biden que, na última semana, chegou ao seu maior índice de desaprovação desde que assumiu o cargo.
Segundo pesquisa divulgada pela CNBC, um recorde de 58% dos americanos não aprova o desempenho de Biden na Casa Branca. O atual presidente recebeu notas particularmente baixas por sua gestão da economia — 32% de aprovação — e da política externa — 31% aprovam —, justamente a área na qual o democrata tem concentrado seus maiores esforços.