Regulamentação ou censura? Professor explica o que esperar do PL das Fake News

O governo de Bolsonaro é contrário à proposta, e embora tenha batalhado para que o PL das Fake News fosse arquivado, o tema está para ser votado na Câmara. Em entrevista à Sputnik Brasil, Theófilo Rodrigues, da UERJ, explicou o que significa a nova legislação sobre aplicativos como Telegram e WhatsApp.

A moderação feita por plataformas de redes sociais é criticada tanto pelo conteúdo quanto pela forma. Entre os espectros políticos, seja na direita, na esquerda ou no centro, o tema suscita intensos debates. Vivendo na dicotomia entre censura e regulação, o tema chegou ao Congresso e deve ser votado nas próximas semanas.

A questão sobre o que fazer com as notícias falsas e seu impacto sobre as democracias desperta análises distintas, embora todas concordem que é preciso agir de algum jeito. Para Theófilo Rodrigues, cientista político e professor da UERJ, a votação do PL das Fake News “é um importante passo para a democracia brasileira”.

Na China, o governo veta algumas gigantes das redes sociais em nome do coletivo. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump assinou um decreto que implicou em uma revisão da lei que protegia empresas como Twitter, Facebook e Google de serem responsáveis pelo conteúdo publicado por seus usuários.

Outros países na Europa, como Alemanha e França, também buscaram renovar suas respectivas legislações sobre o assunto. O PL das Fake News brasileiro tem particularidades (por razões lógicas), e analisando-o, a questão que deve ser respondida é: esse é um passo em direção ao progresso?

O que esperar do PL?

Theófilo Rodrigues explicou que o PL das Fake News, aprovado no Senado em 2020, foi uma tentativa de resposta do Legislativo à disseminação de notícias falsas nas redes sociais durante as eleições de 2018 e uma importante sinalização do Congresso brasileiro.

Por essa razão, o presidente Jair Bolsonaro tentou boicotar o projeto de lei, temendo que ele fosse associado à sua campanha. O chefe de Estado brasileiro, no entanto, compreende que o tema é relevante: ele tentou aprovar o PL 3.227, uma tentativa de substituir a proposta que corre no Congresso.

A iniciativa não deu certo. O PL 3.227 naufragou, muito em parte, como explicou Rodrigues, em razão do trabalho conduzido pelo relator do PL das Fake News, Orlando Silva.”O projeto teve, de fato, grande participação da sociedade civil”, comentou, citando algumas entidades que fizeram parte das discussões na Câmara, como a Coalizão por Direitos na Rede, o FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), e o Instituto Barão Itararé.

Rodrigues explicou brevemente o que muda com a chegada da nova legislação, apontando que a lei trata da criação de um novo tipo penal “caso haja disseminação de informações falsas em massa”.

“Haverá a limitação do envio de mensagens nas redes sociais, maior transparência dos provedores e da moderação de conteúdo, transparência da publicidade e das ferramentas de impulsionamento nas redes e a exigência de uma representação oficial dessas empresas internacionais no Brasil”, afirmou.

No caso da futura legislação brasileira sobre as mídias digitais, explica Rodrigues, “uma das grandes polêmicas destes últimos dias se deu em torno da questão do Telegram, que teria um controle menor quando comparado ao WhatsApp”.Segundo o especialista, alguns defensores do Telegram seriam contra o PL das Fake News por entender “que podem ser censurados“.

Para tratar desse assunto, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), fez uma sugestão: a possibilidade de separar o PL das Fake News de uma regulamentação dos aplicativos que poderia atingir o Telegram.

“Isso poderia ser uma solução, porque poderia facilitar a aprovação do PL, retirando-o do centro de uma polêmica. Além disso, gera um debate sobre um ponto bem específico”, comentou Rodrigues.Ele ainda disse ser importante frisar que não considera que a aprovação da proposta fique apenas no papel. Em sua análise, “pode haver consequências práticas” contra políticos que desrespeitem a regulamentação.

PL em ano eleitoral

Há algumas peculiaridades na política brasileira. Diz-se, por exemplo, que projetos de lei que demandam amplas discussões sociais (e com implicações diretas na vida das pessoas) não são levados à plenário em ano eleitoral. Normalmente, o risco político para deputados e governo não compensa.

Segundo Rodrigues, porém, o caso do PL das Fake News tende a ser diferente. “Reformas que retiram direitos sociais não são temas que transitam bem em ano de eleição. Mas, no caso desse PL, o fato de ser um ano eleitoral pode acelerar a aprovação do projeto”.

A explicação, diz ele, é simples: a sociedade brasileira demanda um pleito presidencial em 2022 que seja caracterizado pela transparência. Além disso, a pauta deve ser entendida como parte de um “projeto na longa história de construção da nossa democracia. Seria mais um passo em favor dela“, comentou.

Questionado sobre a possibilidade do governo “travar” a aprovação da legislação, o especialista considerou que ela existe. Ainda assim, ele se mantém otimista com a previsão dos parlamentares. Segundo Arthur Lira, presidente da Câmara, é provável que o tema seja votado até março.

Principais pontos do PL

Proibição de disparo em massa

O texto estabelece que os serviços de mensagem devem impedir a distribuição massiva de conteúdos, apresentando em seus códigos de conduta limites de encaminhamento de mensagens recebidas de outro usuário para múltiplos destinatários e grupos. Ele prevê que os provedores criem mecanismo de “consentimento prévio” antes do usuário ser incluído em listas ou grupos.

Criminalização de fake news por meio de contas-robô

O relatório estipula punição com prisão de um a três anos, além do pagamento de multa, a quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante uso de contas automatizadas e outros meios”, disparo em massa de mensagens que “causem dano à integridade física das pessoas ou sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

Regras para agente público

Políticos com mandatos no Executivo ou no Legislativo estarão proibidos de monetizar perfis, isto é, de obter receitas com publicidade.

Gastos com propaganda

Órgãos da administração pública deverão informar, nos portais de transparência, os gastos com publicidade e impulsionamento de conteúdo na Internet. O relatório também proíbe destinar verba pública a plataformas que promovam discursos de ódio e ataques a instituições e à democracia.

Registros para investigações

Pelo texto, a Justiça pode determinar aos provedores de serviços de mensagem a preservação e disponibilização dos registros de usuários por um prazo de 15 dias, em caso de investigação. O prazo pode ser renovado por igual período até no máximo 60 dias.

Punição a plataformas

O relatório prevê que os provedores e plataformas que não seguirem as determinações da lei podem ser punidos com advertência, multa de até 10% do seu faturamento e até suspensão ou proibição do exercício de suas atividades no país.

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