Parasita pós-moderno: o politicamente correto nos filmes de super-heróis

'Arte não serve para fins sociais', diz cineasta

Analisar as produções cinematográficas, sobretudo as de super-heróis, nos últimos anos, tem sido um tanto quanto curioso: É A poderosa Thor (2014), que anteriormente era namorada de Thor, se tornando a única digna de desempunhar o martelo dos deuses, salvando a si mesma e a Thor, o ex-herói agora impotente.

É a Capitã Marvel que ressurge 1977 — 2ª onda do feminismo —, autossuficiente e boa simplesmente por ser mulher. Para além disso, temos também o novo Superman, lançado em 2021, que é bissexual e quebra padrões.

Esses são alguns exemplos dos filmes e quadrinhos de super-heróis que têm tomado conta das telas de cinema. Todas essas produções possuem algo em comum: a desconstrução. É o que o intelectual canadense Jonathan Pageau chamou de “parasita pós-moderno”.

“É parasita porque entra em um corpo que já existe e tira ele do próprio significado”, disse Guilherme Freire, professor de Filosofia e diretor das produções do Brasil Paralelo. Os produtores mantêm os heróis vivos mas os transformam internamente, tornando o corpo do herói um hospedeiro de tudo o que querem.

De acordo com Freire, a questão desses novos heróis não é a representatividade, mas sim, buscar um personagem já consolidado e tirar o aspecto da jornada do herói dele.

“Isso acontece com a Capitã Marvel, ela é boa e forte só por ser quem ela é”, disse Freire. “Não é preciso um mestre/mago para guiar o personagem, ele tem autonomia”. Ele explica que, para essas novas produções, é mais importante trocar um símbolo já existente.

“O personagem acaba nesse momento”, disse Freire. O Thor, por exemplo, é um deus nórdico que é forte. Bom, nas novas produções o Thor é gordo e, precisa que alguém o salve.

A história não é boa

Para Luciano Cunha, roteirista e criador de histórias em quadrinhos, a imposição do politicamente correto acaba com os bons roteiros. “O fã tradicional de quadrinhos não se importa se o personagem é negro ou gay, o mais importante é se a história é boa, e esses novos personagens não possuem isso.”

Segundo Cunha, o que acontece atualmente seria uma “forçação de barra”, tanto que o primeiro super-herói negro do cinema não foi o Pantera Negra, mas sim o Blade (1998).

“Os quadrinhos feitos pela Marvel e DC Comics se tornaram um tubo de ensaio para ver o nível máximo de lacração que os fãs aguentam”, disse Cunha.

Ele explica que, atualmente, o mais importante para as grandes produtoras de quadrinhos é vender a agenda ideológica. Em dezembro de 2009, a Disney — que vem sendo acusada de impor discursos politicamente corretos em desenhos e filmes — comprou a Marvel.

O roteirista lembra que, para entrar na China, essas novas produções devem ser editadas com o discurso ideológico alterado, como  já aconteceu no filme Animais Fantásticos II.

A arte não serve para fins sociais

Assim como os filmes de super-heróis, as outras grandes produções de cinema também se renderam ao politicamente correto. De acordo com Josias Teófilo, cineasta brasileiro, fazer isso é querer que a arte sirva para fins sociais, o que não é correto.

Grandes produções como Tropa de Elite são uma prova de que os filmes não precisam carregar a preferência política de seus produtores. “O cineasta de Tropa de Elite, Zé Padilha, não imaginava que esse filme fosse virar um símbolo da nova direita”, disse Teófilo.

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Capitão Nascimento em cena do filme Tropa de Elite | Foto: reprodução/divulgação

Para o cineasta, quando a produção tenta forçar uma função social no filme, ele deixa de ser arte e torna-se uma propaganda. “Não tem problema em exemplificar no filme as diferentes culturas”, disse. “O problema é quando existe uma agenda ideológica para ser imposta.”

Segundo Teófilo, a sociedade, de forma inconsciente, passa a ser moldada por esse discurso. “A propaganda é uma retórica, que te leva “à ação, diferente da arte”, disse Teófilo.

André Paul Gide, escritor francês, dizia que “com boas intenções faz-se mal literatura”. Ao colocar os próprios ideais em uma produção, mesmo que seja para fazer um “mundo melhor”, transforma-se a arte em um instrumento para qualquer outra coisa, que não seja a arte.

“A arte de verdade não se molda por isso”, disse o cineasta. De acordo com ele, Luchino Visconti, um dos maiores diretores do cinema italiano, era abertamente comunista e muitos conservadores são grandes admiradores dos filmes dele.

Éric Rohmer, cineasta francês católico, até hoje é apreciado por muitas pessoas de esquerda. É como se há muitos anos a linguagem publicitária tivesse tomado conta do cinema.

“Não importa quem você seja, importa o que você faz”, afirmou Teófilo. De acordo com ele, a naturalidade é algo muito importante para a arte.

Para o cineasta, justamente porque o cinema foi tomado pelas pautas ideológicas, alguns filmes de super-heróis não fazem bem às pessoas. “O Batman e Superman até tolero, mas Os Vingadores é coisa para demente”, disse.

Conforme explicou Teófilo, a arte de alguma forma precisa dialogar com a vida real e ela o faz usando a imaginação — mas a imaginação sempre acaba nos trazendo para a vida real. “A arte de verdade te abre para a realidade”, concluiu.

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