O STF prejudica o combate à corrupção também nos estados

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal promoveu mais um retrocesso no combate à corrupção, ao determinar que certos processos fossem remetidos à Justiça Eleitoral, em vez da Justiça Comum. As consequências da jurisprudência estabelecida naquela ocasião não se limitavam apenas aos casos de relevância nacional, como a Operação Lava Jato; todos os brasileiros tinham razões para se preocupar porque os reflexos daquela decisão também prejudicariam inúmeras outras investigações de alcance regional Brasil afora. Isso já ocorreu com a anulação da condenação do ex-governador mineiro Eduardo Azeredo no “mensalão tucano”, em junho, e está prestes a se repetir em um caso emblemático de corrupção desvendado no Paraná, em demonstração do que poderá acontecer em qualquer canto do país.

Na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em plenário virtual e previsto para terminar nesta sexta-feira, dia 20, bastará mais um voto para que ações penais envolvendo o ex-governador paranaense Beto Richa voltem à estaca zero na Justiça Eleitoral. Richa é réu em duas ações da Operação Integração, que investigou denúncias de corrupção nos contratos de concessão de rodovias federais no Paraná, e em um processo resultante da Operação Rádio Patrulha, referente a denúncias de fraude em licitação do programa Patrulha do Campo, destinado ao aluguel de máquinas de empresas para que fossem usadas na melhoria de estradas rurais. Beto Richa chegou a ser preso quando a operação foi deflagrada, em meio à sua campanha eleitoral para o Senado em 2018.

Não há a menor dúvida de que crimes eleitorais são de competência da Justiça Eleitoral, mas os crimes comuns conexos deveriam permanecer na Justiça Comum, em respeito à Constituição

O relator, Gilmar Mendes, argumentou que, nos dois casos, como os atos de corrupção também se destinaram a abastecer ilicitamente campanhas eleitorais por meio de caixa dois, todos os processos deveriam estar correndo na Justiça Eleitoral, e não na 23.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (no caso da Operação Integração), nem na 13.ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça estadual (no caso da Operação Rádio Patrulha). Mendes alegou que, em março de 2019, o plenário do STF decidiu que, havendo crimes comuns de corrupção ocorrendo em conexão com crimes eleitorais, como o caixa dois, todo o processo será de competência da Justiça Eleitoral. Embora o caso analisado à época dissesse respeito apenas ao ex-prefeito do Rio Eduardo Paes e ao deputado Pedro Paulo Teixeira, estava criada ali uma jurisprudência daninha para o combate à corrupção.

Daninha porque, no aspecto mais teórico, ela subordina o crime mais grave, o de corrupção, à irregularidade eleitoral – e, para fazer isso, foi preciso também subordinar a Constituição aos códigos Eleitoral e de Processo Penal, em uma inversão surreal da hierarquia dos diplomas legais, como explicamos exaustivamente neste espaço, por ocasião do julgamento de março de 2019. E, na prática, a transferência de competência pode simplesmente jogar no lixo todo o conjunto probatório que tiver sido obtido em ações autorizadas por juiz federal, no caso da Operação Integração, ou estadual, no caso da Rádio Patrulha. Quando isso ocorre, o resultado inevitável é a impunidade, por mais evidências que haja dos crimes cometidos.

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