Forma-se uma tempestade perfeita na economia com aumento da inflação, dos juros, do dólar e do desemprego.
O primeiro Boletim Focus, do Banco Central (BC), deste ano, é o retrato de um otimismo que não durou. Depois de uma queda de 4,8% em 2020, a previsão das instituições financeiras e consultores era de alta de 3,41% do PIB em 2021 e de 2,5% em 2022 — ano que consolidaria a retomada do País. Porém, o mercado precisou se render à usina de crises do governo Bolsonaro. Agora, as expectativas são mais modestas: no último relatório, a projeção para o PIB do ano que é de alta de 2%, e alguns bancos já preveem que esse número não passará de 1,4%. “Vamos revisar para baixo principalmente pela nossa preocupação com o teto de gastos”, resume Thaís Zara, economista-chefe da consultoria LCA. Esse pessimismo vem tomando conta não apenas pelos sinais dados pelos principais indicadores econômicos e pela saída do Brasil de grandes empresas, mas, principalmente, porque já se compreendeu que o crescimento econômico será bastante comprometido pela instabilidade política permanente.
O risco de o governo abandonar a responsabilidade fiscal de vez por causa de programas eleitoreiros se soma aos indicadores que se degradam sem cessar. A inflação deste ano está na casa dos 4,7%, enquanto o acumulado dos últimos 12 meses se aproxima de 9% (8,99%). O próprio BC já espera por uma inflação de 7,11% em 2021 — no que seria a taxa mais alta desde 2015. “A inflação está fora de controle, ao contrário do que diz o ministro Paulo Guedes. Isso se explica pelo cenário externo, em contenção monetária”, explica o economista André Sacconato, da FecomercioSP. Só os preços dos alimentos e bebidas, que mais impactam no orçamento das famílias, por exemplo, subiram 16% entre julho de 2020 e o mesmo mês deste ano, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“Bolsonaro faz intrigas para que o País não perceba os problemas econômicos relevantes” Bruno Mäder Lins, economista
Para dar conta dessa aceleração desenfreada, os juros não param de crescer: a Selic, taxa básica que regula todas as demais, voltou ao seu maior patamar em dois anos (5,25%), depois de entrar em 2021 na casa dos 2%. Na Bolsa, o mesmo acontece com os juros sobre negócios futuros. Soma-se a isso a alta do dólar, que já foi negociado a R$ 6 nas casas de câmbio neste ano e que, ao longo de agosto, acumulou alta de 4,8%. Hoje, a moeda americana é cotada na faixa dos R$ 5,60. Isso acontece, segundo o economista Flavio Comim, que leciona na Universidade de Cambridge (Reino Unido), por causa da instabilidade das instituições. “O Brasil está na contramão: enquanto o mundo investe em projetos de longo prazo em uma economia pós-Covid, nós vivemos apenas as incertezas do momento político. Tudo isso se reflete no câmbio.” Para Sacconato, levando em conta o contexto macroeconômico, o dólar não deveria estar acima dos R$ 4,20. “Essa alta não tem outra explicação: é a incerteza econômica com a crise política.”
Pagando mais caro para consumir (a gasolina já chegou a R$ 7 em alguns estados, por exemplo) e tendo de arcar com uma carga maior de juros, os brasileiros ainda têm outros desafios econômicos, como o endividamento, que atinge sete em cada dez casas, segundo a Confederação Nacional da Indústria, e o desemprego de 14,8 milhões de pessoas, segundo mais alto em uma década.
Esse cenário também compromete os investimentos, e não à toa as empresas estão abandonando o País. Foram 13 grandes multinacionais desde 2019, como a gigante japonesa Panasonic, que anunciou há alguns dias que não vai mais produzir aparelhos de TV no Brasil. Sony e Ford seguiram o mesmo caminho. Na análise de Comim, apesar de reestruturação global dessas empresas, o Brasil favorece a fuga de capitais ao não ter um plano de desenvolvimento. “Essa crise institucional é uma miopia para nossos próprios problemas: ficamos dentro dela e não falamos de educação, pobreza e mercado de trabalho”, diz o professor. Para Bruno Mäder Lins, da Universidade de Genebra, na Suíça, Bolsonaro faz uma cortina de fumaça. “Ele faz intrigas para que o País não perceba os problemas econômicos relevantes.”
O temor do mercado, agora, está concentrado nas eleições de 2022. Para bancá-las, o presidente já propôs ao Congresso adiar o pagamento das dívidas judiciais da União, os precatórios, usando o dinheiro para impulsionar o novo programa Bolsa Família e para reajustar os salários de servidores. Trata-se de uma manobra para driblar o teto de gastos que traz profunda insegurança fiscal. O governo quer derrubar na prática a regra de ouro, um dos pilares garantidores da responsabilidade fiscal, que impede novos endividamentos para financiar gastos correntes. “O Orçamento de 2022 é o foco principal do mercado agora. Ele está tentando entender, sobretudo, o tamanho do risco que existe sobre as contas públicas”, alerta Zara.