Moro muda o jogo da sucessão

Severo e tímido, mas também obstinado e perfeccionista, o ex-juiz Sergio Moro está entrando no jogo da sucessão presidencial e sua pré-candidatura, que deverá ser lançada no próximo dia 10, quando se filiará ao Podemos, deverá alterar profundamente o atual quadro político, hoje polarizado entre Lula e Bolsonaro. Ele é o 11º nome da terceira via, como são chamados os candidatos de centro que disputarão um lugar ao sol para enfrentar os dois extremistas que lideram as intenções de votos para 2022 (o ex-presidente petista à esquerda e o ex-capitão fascista à direita). O ex-juiz, porém, leva uma vantagem em relação aos outros dez políticos que pleiteiam o posto no espectro centrista. Surgiu no cenário nacional em 2014 à frente da Operação Lava Jato como uma espécie de super-herói ao combater com mãos de ferro a corrupção e malfeitos de políticos e empreiteiros, e ainda hoje se apresenta como o salvador da pátria. Mandou prender Lula, que ficou 580 dias na cadeia por corrupção devido a uma sentença sua, e destacou-se como ministro de Bolsonaro, com o qual brigou e denunciou-o ao STF após 19 meses à frente do Ministério da Justiça, transformandose em um dos seus maiores desafetos. Moro, portanto, sintetiza o anti-Lula e o anti-Bolsonaro simultaneamente, o que os demais postulantes não encarnam com a mesma voracidade.

A fama de durão e “homem de palavra” está a lhe criar alguns embaraços políticos. Aos integrantes do Podemos, Moro disse que só falaria sobre seus planos na política após este domingo, 31, quando se encerra o contrato que mantém, como advogado, com a empresa de consultoria americana Alvarez & Marsal, com sede em Washington, onde está morando há um ano. Realmente ele não fez nenhuma declaração oficial sobre seus movimentos, mas, às vésperas do término do vínculo de emprego, já teria sinalizado a dirigentes da legenda que vai mesmo se filiar na quarta-feira da semana que vem, momento em que poderá lançar a pré-candidatura. Mesmo sem o veredicto final, a presidente do Podemos, deputada Renata Abreu (SP), não tem dúvida alguma da candidatura e já começou a organizar a festa da filiação. O evento será realizado para um público de 800 pessoas, com toda a pompa e circunstância, no tradicional Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. A mulher do ex-magistrado, a advogada Rosângela Wolf Moro, com quem está casado há 23 anos, estará no ato e é possível que também venha a ingressar no partido.

Alguns amigos próximos e outros candidatos centristas com quem Moro conversou nas últimas semanas dizem que a filiação não significa, necessariamente, que ele vá anunciar, de pronto, a candidatura. Acham que ele pode ainda mudar os planos e, ao invés de ser candidato a presidente, possa vir a pleitear o Senado. Essa posição, inclusive, é a mais comentada entre o comando da pré-campanha de Doria: de que o ex-juiz não será candidato a presidente, mas sim ao Senado, e, possivelmente, por São Paulo, com a união de forças da chamada terceira via por uma candidatura unificada. Essa posição é praticamente a mesma do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que já lançou sua pré-candidatura, mas que admite conversas com Moro e Doria no sentido de chegarem a um grande consenso. “À exceção do Ciro, todos os candidatos de centro entendem que podem abrir mão de suas candidaturas para não fragmentar o segmento, inclusive Moro e Doria. Quem quer ser apoiado precisa estar disposto também a apoiar outro nome”, disse Mandetta à ISTOÉ. Para ele, até abril a terceira via “deve ter só uma ou duas candidaturas, no máximo. O País clama por responsabilidade sem vaidades. A maioria da população não quer nem Lula e nem Bolsonaro”. O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, porém, não abre mão de lançar candidatura própria para presidente, independentemente do movimento unificado dos partidos de centro. “O senador Rodrigo Pacheco acaba de ingressar no PSD para ser candidato à Presidência. Vamos com ele até o final da disputa”, diz Kassab, defendendo, contudo, que no futuro haja um número menor de partidos para se evitar tantos candidatos como acontece hoje. Ele quer transformar Pacheco no novo Juscelino Kubitschek.

O próprio ex-juiz, contudo, já age como presidenciável. Deu início à procura, em São Paulo, de publicitários que possam fazer sua pré-campanha, para a qual já há até slogan: “Faça sempre a coisa certa”. Outdoors com essa temática já estão sendo afixados em várias cidades do Paraná, como Maringá, onde nasceu e moram seus pais. Em recente viagem a Curitiba, Moro reuniu–se com o senador Álvaro Dias, que mora na capital paranaense, como ele. Conversaram sobre os estágios do processo eleitoral a ser detonado após a filiação. Álvaro, que encerra seu mandato de senador no ano que vem, deverá ser o coordenador da campanha. O senador, inclusive, cedeu a sua assessora de imprensa para auxiliar o ex-juiz no contato com a mídia. À ISTOÉ, Dias afirmou que não iria quebrar “o pacto” de silêncio que fez com o ex-magistrado. “Só falo com os jornalistas depois que Moro nos liberar do sigilo imposto”, disse o senador, líder do Podemos no Senado.

“Moro é candidatíssimo e tem amplas chances de ir para o segundo turno. Temos pesquisas que o colocam com 10%”, defende a presidente do Podemos. Esse percentual, aliás, foi registrado pelo Instituto Quaest na pesquisa feita em 4 de outubro, apontando Lula com 44% e Bolsonaro com 24%. Nessa consulta popular, Ciro Gomes tem 9% e João Doria, 5%. Pesquisa do PoderData divulgada na quinta-feira, 28, mostra, porém, uma virada nos números que colocam Moro em terceiro lugar: Lula caiu para 35%, Bolsonaro subiu para 28%, enquanto Moro ficou com 8%. Depois deles vêm: Ciro (5%), Doria (4%) e Mandetta (4%). “Com esses números, Moro tem um potencial enorme para crescer, pois é menos rejeitado que os demais e ainda falta um ano para a eleição”, explicou Renata.

De acordo com estrategistas contratados pelo Podemos, Moro deverá tirar votos de Bolsonaro por se postar mais à direita e por tê-lo denunciado pela interferência na PF, sendo o legítimo detentor do discurso de combate à corrupção. “Bolsonaro vai derreter e ficará em torno dos 15%, enquanto Moro vai crescer e encostar em Lula. Para o nosso projeto, é importante que Ciro continue batendo em Lula, para tirar votos do petista. Além disso, o fato de Moro ter mandado prender Lula por corrupção também vai lhe render mais votos das pessoas que ainda acreditam na moralização da política. Achamos que o segundo turno pode ser entre Lula e Moro”, especulou Renata. A líder do Podemos não descarta alianças com outros pré-candidatos do centro. “Estamos conversando com os governadores Doria e Leite, do PSDB, com o Baleia Rossi, do MDB, com Mandetta e o Bivar, do União Brasil. Em suma, dialogamos com todo mundo. Só não aceitamos conversar com o petismo e com o bolsonarismo, pois o povo sabe que eles afundaram o País no campo ético (Lula) e econômico (Bolsonaro)”.

LANÇAMENTO Livro conta histórias inéditas da operação que comandou no Paraná contra o roubo à Petrobras (Crédito:Divulgação)

A entrada de Moro no jogo pode alterar a posição das peças no tabuleiro. Bolsonaro, que estava confortável com uma posição garantida no segundo turno, mesmo atrás de Lula, começa a se preocupar com a chegada de seu ex-ministro no páreo. Na semana passada, durante uma viagem do presidente ao Nordeste, um auxiliar o avisou que o chefe da Lava Jato deveria ser um dos seus opositores, mas que o mandatário não deveria dar muita importância ao fato. De acordo com esse bolsonarista, Moro não deve ir muito longe, já que tem a antipatia dos petistas por ter levado Lula à prisão, enquanto também não goza do apoio de parte da direita, que ficou descontente com o fato de ter saído do governo Bolsonaro atirando e até o denunciando. Segundo o ex-juiz revelou, Bolsonaro disse na reunião ministerial do dia 22 de abril que ele iria criar sua própria PF, pois desejava salvar a pele dos filhos e dos amigos. “Vou interferir sim”, disse Bolsonaro. Graças às denúncias de Moro, hoje o presidente responde a inquérito no STF.

Sem jogo de cintura

O esforço do Podemos agora é divulgar as mensagens do ex- magistrado pelo País. Para isso, a legenda dará início a um roteiro com viagens a todos os estados. Depois do ato de filiação em Brasília, o partido fará eventos com a presença do lavajatista em várias capitais. Já estão organizados atos em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. É possível que o “comício” de São Paulo aconteça em um estádio de futebol ou até na Avenida Paulista. Moro atrelará a campanha política ao lançamento de seu livro “Sergio Moro – Contra o sistema de corrupção”, editado pela Sextante e que acontecerá no próximo dia 2 de dezembro. O livro abordará histórias da Operação Lava Jato e também relatará os episódios que determinaram sua saída do governo Bolsonaro.

Se de um lado o ex-magistrado ainda galvaniza os anseios por um país sem corrupção, denunciando que os políticos estão interessados apenas em se locupletar, por outro lado pesa contra ele a inexperiência e a falta de traquejo político. “Moro será um candidato monotemático?”, pergunta um deputado do PT. Até agora, os brasileiros só conhecem o que ele pensa sobre o combate à corrupção e a necessidade da prisão em segunda instância para evitar a impunidade, ao fim do foro privilegiado, entre outros assuntos do mundo jurídico. Ou seja, não são conhecidas suas opiniões a respeito da Saúde, da Educação, do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, dos projetos de Infraestrutura e, sobretudo, suas propostas para a economia. Qual será seu projeto para a retomada do desenvolvimento? Ninguém sabe.

Exatamente por isso, ele deu início à procura de economistas de renome no eixo São Paulo-Rio que elaborem para ele um plano para a recuperação da economia, entendendo que Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes deixarão uma herança maldita para o futuro presidente. Nesse sentido, Moro já conversou com o economista Armínio Fraga, responsável pelo plano de governo encomendado pelo apresentador Luciano Huck, que pretendia ser candidato a presidente, mas que, recentemente, optou por ficar na TV e substituir Faustão no Domingão da Globo. Fraga não pretende se incorporar à pré-campanha do ex-juiz, mas vai lhe passar estudos sobre as desigualdades sociais.

O maior problema do ex-juiz, porém, é exatamente não ter jogo de cintura junto aos políticos. Certa vez, em conversa com amigos do Paraná, Moro revelou que teria dificuldade para fazer decolar uma candidatura a presidente, já que a maioria dos partidos aos quais teria que se aliar já tiveram integrantes processados ou presos em suas decisões na Lava Jato. “Você acha que os partidos de centro, com os quais eu vou ter que negociar, terão interesse que eu me torne presidente da República?”, perguntou, para ele mesmo responder: “É claro que não.” Por isso, no entorno do ex-ministro também bate forte sentimento de que ele deve circular como presidenciável nos próximos meses e, lá por março ou abril, avaliaria se mantém a candidatura presidencial ou se lança ao Senado, possivelmente por São Paulo, em um acordo com Doria. “A candidatura de Moro não vai passar de um balão de ensaio”, diz um tucano ligado ao governador.

Caso prossiga com o projeto presidencial a partir de julho, quando se encerra o prazo dos partidos para o registro das candidaturas, Moro poderá contar com uma mediana estrutura partidária. O Podemos tem a terceira bancada no Senado, com nove senadores, perdendo apenas para o MDB (15) e PSD (11). A legenda tem ainda 10 deputados federais e um bom volume de dinheiro para a campanha. Em 2020, recebeu um fundo partidário de R$ 23,9 milhões e um fundo eleitoral de R$ 143,4 milhões, totalizando R$ 167,3 milhões distribuídos pelo TSE.

A provável candidatura de Moro à Presidência divide opiniões no Congresso, até mesmo entre os que são entusiastas do ex-juiz. Enquanto alguns parlamentares comemoram que ele levará o tema do combate à corrupção ao centro do debate político, outros acreditam que a sua presença pode dificultar a formação de uma terceira via capaz de acabar com a polarização entre Lula e Bolsonaro. “O cenário muda bastante com a entrada de Moro, porque fortalece a ideia de termos uma opção para o eleitor que não seja nem Lula e nem Bolsonaro. Ele entra com objetivo de somar. Já conversou com Doria, com Leite e com vários outros pré-candidatos. A ideia é que, lá na frente, quem estiver melhor colocado receba o apoio de todos os demais”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR). Na avaliação de outros parlamentares da legenda, uma eventual candidatura de Moro enfraqueceria Lula, que lidera a corrida presidencial. “Moro pode tirar votos daqueles que votariam no PT contra Bolsonaro por falta de uma opção viável”, avalia o deputado Roberto de Lucena (Pode-SP). “É uma candidatura consistente e com muito apelo”. Uma coisa é certa: com o ex-juiz, o jogo da sucessão recomeça.

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