Anunciada como o surgimento de um Barack Obama brasileiro capaz de salvar o país de tempos sombrios, a entrada de Sergio Moro na corrida eleitoral é mais um — senão o último — balão de ensaio dos incansáveis defensores da “terceira via”. Antes de mais nada, um detalhe importante: falta um ano para as eleições presidenciais. Num país onde a política se movimenta como nuvem (“Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e já mudou”), como disse Magalhães Pinto, é muita coisa.
Como juiz de 1ª instância em Curitiba, Sergio Moro talvez tenha sido um dos mais corajosos e notáveis do país. Mandou prender um grupo de empresários responsáveis por uma enorme fatia do PIB e políticos que davam as cartas há décadas. Seu feito mais ousado foi trancafiar o ex-presidente Lula e derrotar o projeto de poder do PT que as urnas ainda não tinham sido capazes. Não é pouca coisa.
Alçado a ídolo nacional, com direito a boneco inflável gigante na avenida Paulista, Moro experimentou a sensação que poucos personagens recentes da história política conseguiram: a unanimidade dos chamados cidadãos de bem, dos pagadores de impostos exaustos da corrupção institucionalizada. Foi ali, talvez, que o mosquito do deslumbre tenha lhe picado. A toga já não era mais o limite e as multidões nas ruas queriam vê-lo ao lado do popular Jair Bolsonaro no comando do país. Dito e feito.
Algum tempo depois, quando o divórcio com Brasília foi inevitável, Moro submergiu, decidiu ganhar dinheiro na iniciativa privada e esperou a pandemia passar. Não é preciso ser grande analista político para entender que a conta era simples: aguardar a montagem do xadrez eleitoral, calcular a força de quem vai durar até a linha de largada em 2022, consultar economistas sobre o fôlego da retomada pós-crise e, especialmente, testar se a massa que frequentava as ruas ainda se lembrava dele.
A um ano das eleições, tradicionalmente, as negociatas de quem vai com quem se intensificam. Mas é fato que, pelo menos até o fim do primeiro trimestre, quando alguns prazos da lei eleitoral começam a contar para valer, não significa nada além de manchetes festivas de setores da imprensa para quem ele poderia governar não só o Brasil, mas a América inteira.
Entre uma serpentina e outra lançada na mídia nesta quarta-feira, 10, é importante ressaltar alguns pontos: 1) nada se sabia do que pensa Sergio (e não o ex-juiz Moro) para além do combate à corrupção; 2) quem seria seu ministro da Economia? Um tucano como Armínio Fraga, um Delfim Netto ou Antonio Palocci? (Se bem que esse último ele condenou à cadeia). E 3) O que ele pensa sobre instabilidade jurídica e leis trabalhistas, estado paternalista e deficitário, a gritaria ambientalista que trava o motor do agronegócio ou simplesmente a Lei Rouanet?
Até agora a resposta é nada. Sua longa fala na filiação ao Podemos, partido que desde 2018 autoproclamou-se “lavajatista”, foi um festival de clichês: quando estava fora do Brasil alguém lhe questionou e isso foi um tiro no coração, colocou dinheiro de “rachadinha” na mesma dosimetria dos bilhões do petrolão e discorreu sobre outros temas numa cartilha que mesclou tecnocracia com Marina Silva.
É claro que Moro tem um currículo muito mais notável do que 99% dos tiriricas do Centrão, não participou de propinodutos dos anos do PT nem tem compromisso com a agenda de costumes da esquerda e não assassina a língua pátria. Seria o bastante para governar alguns países da Europa. Mas para ter sucesso eleitoral no Brasil vai ter sentar à mesa com gente que ele mandou prender.