Inflação galopante e possível recessão nos EUA: quais são os riscos para o Brasil?

Um recente levantamento do jornal Financial Times mostrou que de um grupo de economistas consultados, 70% deles apontam riscos de que haja recessão nos EUA em 2023. A economia do país ainda se recupera do impacto da pandemia de COVID-19 e encolheu 1,5% no primeiro trimestre de 2022.Em meio ao aumento das tensões internacionais, a população norte-americana convive com a alta de preços, notadamente dos combustíveis, e uma inflação recorde de 8,6% em maio — o maior patamar em 40 anos.

As especulações sobre uma possível recessão no país cresceram ainda mais após o anúncio do aumento da taxa de juros norte-americana. No dia 15, o Federal Reserve, o banco central dos EUA, aumentou a taxa em 0,75 ponto percentual em uma tentativa de mitigar a pressão inflacionária.

Da mesma forma, o presidente norte-americano, Joe Biden, tem anunciado medidas para conter o aumento do preço dos combustíveis. As movimentações incluem consultas a grandes produtores, como a Venezuela e a Arábia Saudita, além de apelos às refinarias domésticas, tentativas de redução de impostos no setor de energia e venda de dezenas de milhões de barris de petróleo da reserva estratégica do país.

Os EUA continuam tendo o maior PIB nominal do planeta e os problemas econômicos do país podem se espalhar para outros países. A Sputnik explica as causas e possíveis consequências desse cenário.

O que causa a inflação nos EUA?

Para o economista Leonardo Paz, analista de inteligência qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV – NPII), há um conjunto de fatores que influenciam a situação econômica nos EUA. Entre eles está a pandemia da COVID-19, que teria criado uma pressão inflacionária em função da restrição de oferta, segundo Paz.

“A impressão que eu tenho é que o governo norte-americano, o Banco Central dos EUA mais especificamente, tinha uma aposta de que o efeito seria muito curto, de curto prazo — uma vez que a pandemia estivesse mais equacionada a oferta levantaria rapidamente, e isso não aconteceu”, afirma o professor à Sputnik Brasil.

Diante da espécie de erro de cálculo em relação aos efeitos da pandemia, explica o economista, o Federal Reserve teria demorado para agir e aumentar a taxa de juros para equilibrar a pressão inflacionária. Além disso, outras medidas orçamentárias contribuíram para o cenário.

“Por outro lado, uma das políticas norte-americanas para tentar lidar com isso [crise da pandemia] é aumentando o gasto público — imprimindo moeda e aumentando o gasto público. O famoso pacote Build Back Better do governo Biden é um grande pacote de gasto público em diversas áreas, especialmente infraestrutura. E isso, obviamente, também tende a impactar na inflação”, avalia Paz.

Conflito na Ucrânia e sanções contra a Rússia

Entre as causas da crise econômica nos EUA, o economista cita ainda o impacto da operação militar russa na Ucrânia e as sanções econômicas impostas contra a Rússia. Após o início da operação, o bloco ocidental liderado pelos EUA aplicou uma série de restrições contra Moscou, incluindo o setor de energia. Essas medidas ampliaram o efeito do conflito sobre os preços internacionais de commodities, gerando um “choque negativo de oferta no petróleo norte-americano”.

“As sanções que os EUA e a Europa Ocidental fazem à Rússia naturalmente têm impactado no aumento de preço das commodities, sejam de petróleo ou agrícolas. Isso tem obviamente diminuído a oferta e acaba gerando inflação de maneira geral, aumentando o preço desses produtos”, aponta o analista.

Paz também aponta que a política de bloqueios e os planos de substituição da importação de energia russa no bloco ocidental deve reduzir a oferta de petróleo nesses países.

“As cadeias precisam se reorganizar de maneira geral. Não havia petróleo sobrando no mundo para pegar de uma hora para a outra. A Rússia é um grande produtor, um grande exportador de petróleo, então reorganizar essas cadeias está levando um tempo”, explica o professor, acrescentando que esse processo deve demorar, reduzindo as chances de queda dos preços e da inflação no curto prazo.

Quais são os efeitos para o Brasil e para o mundo?

Diante do tamanho da economia dos EUA, a expectativa é de que uma recessão no país gere impactos sobre a economia global, incluindo o Brasil. Para o economista Leonardo Paz, alguns dos efeitos previsíveis são a desvalorização do dólar e a fuga de capitais para economia dos EUA — que apesar da crise segue sendo considerada segura para investimentos. “O dinheiro tende a sair de mercados emergentes, que são mais instáveis”, afirma.

“Uma recessão nos EUA também impacta possivelmente as cadeias de valor, afinal os EUA são um país muito industrializado, que produz muitos insumos intermediários para várias cadeias globais. Então, o impacto nesse aspecto também pode ser sentido em vários outros países, na medida em que eles vão ter dificuldades de acesso a esses insumos”, explica Paz.

O economista também ressalta que os EUA são um grande ator do investimento global e que a crise no país acarreta a falta de oferta desses recursos a outros países — incluindo o Brasil.

“Obviamente, quando você tem crise em um ator tão grande, outros atores ao redor do mundo, especialmente grandes empresas e grandes investidores, ficam mais preocupados com a volatilidade e a instabilidade do sistema e acabam retraindo um pouco seus planos, segurando seus investimentos”, avalia, apontando que isso tem efeito indireto sobre o resto do mundo.

Segundo Paz, os EUA também podem adotar medidas protecionistas, o que dificultaria a entrada de produtos brasileiros no mercado norte-americano. O economista salienta que o Brasil está ainda mais exposto a esses efeitos devido ao alto grau de comércio com Washington.

“O Brasil, certamente, tal qual o mundo, […] seria naturalmente impactado negativamente por uma recessão nos EUA”, conclui.

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