Na quarta-feira (16), o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL) foi recebido em Moscou pelo presidente russo, Vladimir Putin, para discutir as relações entre os países. A visita também incluiu um encontro entre os chanceleres e ministros da Defesa de ambos os países, além de consultas comerciais e tecnológicas.Isabela Gama, especialista em BRICS e pesquisadora ligada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), explica que o possível aumento da cooperação entre Brasil e Rússia está ligado à aproximação brasileira com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à perda de influência na América do Sul.
“A visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia envolve também a questão do Brasil ter sido recentemente convidado formalmente a aderir à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Por conta desse convite formal, o Brasil precisa cumprir muitas metas para atingir os 251 instrumentos para ter uma adesão de fato à OCDE. Dessa forma, o Brasil precisa ampliar, por exemplo, o multilateralismo”, explica a pesquisadora em entrevista à Sputnik Brasil.
Conforme dados oficiais do Ministério da Economia brasileiro, em 2021 o volume de trocas comerciais entre Brasil e Rússia chegou ao maior patamar desde 2009, totalizando quase US$ 7,3 bilhões (cerca de R$ 37,5 bilhões). A maior parte do crescimento desse volume está nas importações, que correspondem a quase US$ 5,7 bilhões(cerca de R$ 29,3 bilhões) do total – mais que o dobro do ano anterior e maior valor pelo menos desde 1997. A exportações, por outro lado, tiveram um dos piores resultados desde 2004, com cerca de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,2 bilhões).
Gama avalia que até o recente encontro Brasil-Rússia em Moscou, a política externa do governo Bolsonaro vinha operando um multilateralismo “bastante incerto”, principalmente no âmbito do BRICS e das relações sul-sul. A pesquisadora acredita que a mudança de rumos seja uma nova tendência, tendo em vista a impossibilidade de “alinhamento total” do atual governo brasileiro com os Estados Unidos de Joe Biden.
A pesquisadora aponta ainda que a recente movimentação brasileira pode estar relacionada ao recente pedido da Argentina de adesão ao BRICS. No início deste mês, o presidente argentino, Alberto Fernández, fez o pedido diretamente à China e à Rússia, sem consultar o Brasil. Fernández é considerado um desafeto do governo Bolsonaro.
“Existe a possibilidade de isso ser uma demonstração do Brasil de que nós estamos presentes no BRICS para que, caso outros países, além da Argentina, estejam interessados a se unirem ao BRICS, venham ao Brasil fazer esse tipo de requerimento. É uma forma também do Brasil demonstrar dentro do BRICS a sua presença e os eu multilateralismo, que ficou bastante prejudicado nos últimos anos”, aponta a especialista.
Gama ressalta ainda que a tentativa de restabelecer o Brasil como um país emergente carece de investimentos em novas áreas, para além do agronegócio e da exportação de matérias-primas. Nesse sentido, a aproximação com a Rússia pode ser um trunfo.
“Precisamos estar presentes também em investimentos nas áreas tecnológicas, que são talvez as que mais crescem ultimamente. E acredito que essa nova tentativa de reaproximação com a Rússia tenha também um caráter complementar em algum momento de relações técnico-militares, porque a presença russa no continente sul-americano em termos militares é crescente”, conclui.
Fabricação da Sputnik Light no Brasil dá exemplo de cooperação com a Rússia
Diante do potencial da parceria entre os dois integrantes do BRICS, uma comitiva de empresários brasileiros esteve na Rússia entre os dias de 14 e 17 de fevereiro para discutir parcerias comerciais em áreas como biotecnologia, agronegócio e saúde.
A farmacêutica União Química foi uma das participantes do encontro. A empresa anunciou recentemente a fabricação da vacina russa Sputnik Light contra a COVID-19 no Brasil para exportação. Em entrevista à Sputnik Brasil, o presidente da União Química, Fernando de Castro Marques, ressaltou a importância da parceria com a Rússia.
“A importância é enorme de a gente ter tecnologia e produção do IFA, tanto da Sputnik V quanto da Sputnik Light, no Brasil, sem depender de importações. Isso é uma coisa fantástica, nós devemos isso à Rússia que nos cedeu essa tecnologia sem custo e ônus nenhum para a nossa nação”, disse Castro Marques.
O empresário ressaltou que a Rússia pode ser um parceiro comercial importante para o Brasil, apontando que o BRICS pode servir de apoio para o aumento da cooperação bilateral. O presidente da União Química adiantou que já existem outras negociações em sigilo para transferência de tecnologia de companhias russas.
“O nível de negócio do Brasil com essa parte do mundo, com a Eurásia, é muito baixo. Aqui tem um potencial de negócios gigante. Lamentavelmente os empresários brasileiros não têm aproveitado as oportunidades para ampliação dos negócios com essa parte do mundo, que tem muito poder aquisitivo, muita condição de transferência tecnológica e desenvolvimento de nosso interesse”, conclui.