Ciro Gomes (PDT) começa oficialmente sua caminhada em uma dura missão. Com o lançamento de sua candidatura à Presidência, nesta quarta-feira (20), no diretório nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT), em Brasília, o ex-ministro e ex-governador do Ceará precisará convencer os eleitores brasileiros ainda indecisos de que é uma alternativa viável, em uma eleição achatada, com dois claros favoritos à disputa do segundo turno.
De sua apresentação como candidato até 2 de outubro, data do primeiro turno, Ciro tem 74 dias para mudar o quadro eleitoral e entrar na briga com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), por uma vaga no segundo turno.
O problema é que as últimas pesquisas presenciais de intenção de voto têm indicado um cenário bem estável: Lula tem quase a metade da preferência do eleitorado, Bolsonaro, quase 30%, e Ciro oscila entre 7% e 8%. Os demais candidatos não ultrapassam a barreira dos 2%.Para além dos principais dados, a campanha de Ciro mira onde e como o candidato ainda pode crescer. No último levantamento do Datafolha, divulgado em 23 de junho, o pedetista foi citado como segunda alternativa por 22% dos entrevistados, que foram indagados sobre o nome predileto caso não votassem naquele já escolhido.
Porém, ao mesmo tempo, há outra barreira difícil de derrubar, que é a da consolidação dos votos. Entre os eleitores de Lula, 79% declararam, na mesma pesquisa, que estavam totalmente decididos com seus votos. Quanto aos apoiadores de Bolsonaro, a taxa dos inteiramente convencidos é de 78%. Em ambos os casos, apenas 21% ainda admitiam mudar de opção.
Nessa perspectiva, o desafio de Ciro é ainda maior, pois, além de precisar atrair aqueles que ainda não bateram o martelo em suas decisões, precisará conquistar de vez seus eleitores. Isso porque, segundo o instituto, 66% do eleitorado do pedetista respondeu que ainda podia mudar de voto e somente 33% afirmaram que já estavam totalmente decididos.
Para Nelson Marconi, coordenador do programa de governo de Ciro e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), as propostas no campo econômico do pedetista serão essenciais para tentar reverter o quadro atual.Segundo o economista, o programa do PDT se diferencia dos demais postulantes ao Planalto por estar voltado para o setor produtivo, e não ao financeiro.
“Não vamos prejudicar o setor financeiro, mas o produtivo precisa ter o protagonismo”, disse Marconi, em entrevista à Sputnik Brasil. “O programa é muito bem estruturado, mostra o que quer fazer e como vai financiar, preocupando-se com o setor produtivo, com geração de empregos”.
Ele avalia que, com o início da campanha e a apresentação das propostas, os eleitores poderão distinguir os projetos de cada candidato.
No plano macroeconômico, o coordenador do programa de governo de Ciro aponta a necessidade de uma reforma tributária, que taxe os mais ricos e menos a produção, um câmbio competitivo e estável por volta dos R$ 5,00 e a redução da taxa de juros, que “dependerá da reforma fiscal, com redução de incentivos fiscais e de outros gastos correntes”.
O economista indica ainda a importância de se estabelecer metas para políticas públicas. Segundo ele, “é essencial” ter um plano nacional de desenvolvimento, definindo, junto ao setor privado, objetivos, prazos e setores prioritários em cada etapa.
“Falamos isso no nosso plano. Precisamos construir uma série de políticas que vão ajudar determinados setores a serem protagonistas. Temos que fazer política industrial e corrigir financiamento de desenvolvimento científico e tecnológico”, afirmou.
Sobre a crescente inflação dos últimos meses, Marconi diz que a alta dos preços não deve ser combatida apenas com elevação dos juros. Segundo ele, o índice tem sofrido pressão do lado da oferta e dos custos, devido à atual política de combustíveis.”Precisamos mudar a política de preço dos combustíveis e reduzir a tarifa de energia elétrica ao longo do tempo”, disse.
‘Vice é escolha estratégica para viabilidade eleitoral’
A cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que um fator que pode contribuir para a campanha de Ciro é a escolha do seu vice. A especialista sugere, inclusive, que o candidato se inspire na escolha do Partido dos Trabalhadores (PT), que terá o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin como vice de Lula.
Dessa forma, ela aponta três caminhos que o pedetista pode tomar: escolher uma vice mulher, alguém do próprio partido ou um político com perfil mais conservador.
“O vice é uma escolha estratégica para a viabilidade eleitoral. Dentro dessa estratégia, pode pensar em escolher uma vice mulher, aumentando a adesão desse segmento, que muitas vezes não se vê representado em Ciro Gomes”, indicou Goulart.
Dentro do PDT, ela lembra de Leila do Vôlei e da ex-reitora da Universidade de São Paulo (USP) Suely Vilela. Uma delas poderia formar uma “chapa puro sangue“, se isso for o desejo da campanha.Em outra estratégia, Ciro poderia buscar um vice mais conservador de outro partido para “aumentar suas articulações dentro do sistema partidário”, segundo a professora da UFRJ.
Ela aponta que a opção de atrair setores conservadores da sociedade esbarra no eleitorado bem consolidado do presidente Jair Bolsonaro, mas poderia ser bem-sucedida até determinado ponto.
“A essa altura do campeonato, quem vai votar no Bolsonaro dificilmente vai migrar, mas ele pode, sim, conseguir algumas ‘franjas’ do bolsonarismo ou de um bolsonarismo envergonhado, que não se sente confortável em votar no Bolsonaro, mas rejeita o PT e seu projeto. Então, pode tentar canalizar voto escolhendo um vice conservador”, destacou.
Contudo, Goulart faz outras ressalvas que dificultam a tarefa de Ciro nessas eleições. Para ela, o candidato do PDT “não conseguiu, ao longo da carreira, se apresentar como uma alternativa à polarização“.
“Desde 1989, as eleições no Brasil se organizam a partir de um polo petista e outro antipetista, sobretudo após 2002. E Ciro não consegue se apresentar para canalizar votos. Por um lado, foi ministro do Itamar [Franco] e do PSDB. Por outro, foi ministro do governo Lula e adota um discurso, muitas vezes, antidisciplina fiscal. Então, fica no meio termo, nem de esquerda, nem de direita, e não consegue operacionalizar dentro desse esquema de polarização”, apontou a cientista política.
Ciro ‘não vai desistir’ da candidatura
Após diversos nomes do chamado grupo da “terceira via” renunciarem à disputa, como o ex-ministro Sergio Moro (União Brasil) e o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), a mídia brasileira vem debatendo cenários em que Ciro também abrisse mão de sua candidatura.
Ciro, entretanto, já afirmou em diversas oportunidades que se manterá na disputa até o fim.
“Ele não vai desistir. Não passa pela nossa cabeça essa possibilidade”, garantiu à Sputnik Brasil o coordenador do seu programa de governo, Nelson Marconi.
O economista também rejeitou o rótulo de “terceira via”, por estar associado a um “programa liberal na economia”, mas afirmou que Ciro é a “única alternativa” a Lula e Bolsonaro.
“Está na cara que somos a única opção. Entrou Moro, [Luiz Henrique] Mandetta [ex-ministro da Saúde], Eduardo Leite, um monte de gente que foi caindo. E a Simone Tebet é uma pessoa respeitável, mas vai ser difícil [o MDB] sustentá-la. A única alternativa passa a ser a nossa”, indicou.
Para Mayra Goulart, a permanência de Ciro na disputa acaba sendo “muito mais benéfica a Bolsonaro“.
“Não só o Ciro Gomes, mas o que entendemos por terceira via [ajuda a candidatura de Bolsonaro]. Porque tanto Ciro como Simone Tebet estão se apresentando como oposição ao Bolsonaro. Enquanto candidatos oposicionistas, só podem tirar voto de outro oposicionista, que no caso é o Lula. Então, o crescimento do Ciro é inequivocamente favorável ao Bolsonaro, já que tira votos do Lula”, analisou.