Três rodadas de negociações entre representantes da Rússia e da Ucrânia já fracassaram, a última na quinta-feira (10/03), entre os respectivos ministros do Exterior, mediada pelo governo turco em Antália. Muitos agora depositam suas últimas esperanças na China.
Será que a Rússia pediu ajuda militar e econômica a seus aliados em Pequim? No domingo, reportando-se a representantes não identificados do governo dos Estados Unidos, diversos veículos de comunicação americanos noticiaram que Moscou procurara apoio militar junto aos chineses, a fim de restringir os efeitos das sanções.
O desmentido de Pequim não se fez esperar: nesta segunda-feira, um porta-voz do Ministério do Exterior afirmou que nos últimos tempos os EUA estariam constantemente divulgando desinformação maliciosa sobre a China.
O diplomata-chefe do Partido Comunista da China, Yang Jiechi, marcou encontro em Roma com o conselheiro de Segurança Nacional de Joe Biden, Jake Sullivan. Segundo fontes americanas, a guerra russa de agressão contra a Ucrânia também será um dos temas da reunião. Antes, Sullivan advertira a o governo chinês que haveria consequências graves, caso auxilie a Rússia a contornar as sanções internacionais.
“Tem que ser a China”
Diversos países têm repetidamente apelado a Pequim para que ajude a estabelecer negociações mais promissoras entre Moscou e Kiev. A China mantém tanto relações de parceria com o Kremlin quanto ligações econômicas estreitas com os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, declarou, alguns dias atrás, ao jornal espanhol El Mundo: “Não há alternativa. Não podemos ser os mediadores, isso está claro, nem os Estados Unidos. Quem mais? Tem que ser a China.”
Contudo os chineses se mantêm reservados, não tendo oferecido nenhum sinal decisivo de se estão dispostos ou não a se envolver mais na crise no Leste Europeu. No começo de março, tanto o presidente Xi Jinping quanto o ministro Wang Yi apelaram a ambos os lados para resolverem o conflito pacificamente, ressaltando o respeito à “soberania e integridade territorial de todos os países”.
Com “todos”, porém, os dois políticos chineses se referiam explicitamente também à Rússia. Pois Pequim partilha o ponto de vista de Moscou de que a guerra seria uma reação a supostas provocações da Otan – por exemplo, com seus esforços de ampliação para o leste.
Putin e Xi juram amizade “sem limites”
O ministro do Exterior Wang definiu a Rússia com importante parceira estratégica da China, e enfatizou a vontade de seu país de aprofundar essa parceria, “não importa quão perigoso o entorno internacional se torne”. Na quinta-feira, em telefonema com seu homólogo francês, Jean-Yves Le Drian, ele teria se referido pela primeira vez a uma “guerra” na Ucrânia.
No entanto, o especialista Danil Bochkov, do Conselho Russo de Assuntos Internacionais, em Moscou, considera improvável que a China vá desempenhar voluntariamente o papel de mediadora entre Kiev e Moscou, pois aí se colocaria no centro das atenções internacionais, ocupando “inevitavelmente a linha de frente desta crise, com todas as partes analisando de perto cada passo seu”.
Tampouco Andrew Small, do Fundo Marshall Alemão, crê que o país esteja disposto a mais do que expressar o desejo de paz: “Acho que ideia é deixar a Rússia fazer o que quiser.”
No passado, Pequim assumiu o papel de mediador quando se tratava dos Estados “irmãos menores”, como a Coreia do Norte ou o Paquistão, onde ele pode dar as cartas e sobre que pode, até certo ponto, fazer pressão: “A China não se sente confortável pressionando a Rússia, e acho questionável se teria sucesso nisso”, comenta Small.
Nos últimos meses, as duas potências se aproximaram bem mais ainda. Após seu encontro pessoal, no início de fevereiro, os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping classificaram a amizade entre seus países como “sem limites”. Isso levou diversos observadores à conclusão de que Pequim não pretende colocar em jogo suas relações com Moscou, embora – ou porque – a Rússia se encontra numa situação difícil.
Expectativas de mediação chinesa “equivocadas”
“Levando em consideração a forte vontade guerreira de Putin, a necessidade desesperada de realizar suas ‘metas bélicas mínimas’, e a dependência da China de uma parceria estratégica e militar com ele, em geral, pode-se duvidar seriamente que Pequim possa ou queira desempenhar um papel de contenção substancial sobre Putin”, explica Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim.
Sari Arho Havrén, do Instituto Mercator de Estudos sobre a China (Merics, na sigla em inglês) de Berlim, frisa que a parceria com a Rússia poderia ajudar a China a codefinir a ordem mundial e a se aproximar de suas próprias metas geopolíticas.
A situação econômica russa, cada vez mais crítica, tem, além disso, o potencial de abrir possibilidades de investimento para os chineses, com as quais eles poderiam, “por exemplo, suprir sua demanda futura de energia e matérias-primas, tornar-se mais independentes do Ocidente e fortalecer sua autossuficiência interna”.
Didi Kirsten Tatlow, do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP) considera até mesmo “equivocadas” as esperanças de que a China possa intervir como mediadora ativa: “Mesmo que Pequim ajudasse a mediar no curto prazo, essencialmente é como convidar alguém ter controle e posição sobre um assunto incrivelmente importante para os países democráticos. Acho que estes países estão se colocando numa posição muito débil, aqui.”
O especialista em Rússia Bochkov sublinha que o procedimento russo corresponde à meta, formulada em fevereiro, de dar fim à ordem mundial dominada pelos EUA. Seja como for, ele não crê que Xi seja capaz de levar Putin à mesa de negociações: “Ele começou isso tudo e está decidido a levar até o fim último. Não é uma questão de quem possa influenciá-lo, mas de quando ele decidirá terem sido atingidas as metas que definiu originalmente.”