China contra os milionários

Foi uma surpresa para os investidores internacionais, que nas últimas décadas se acostumaram a apostar na expansão da China, em vias de se transformar na maior economia do mundo. Nos últimos dias, o governo chinês tomou duras medidas para aumentar o controle sobre as empresas, o mercado financeiro e o comércio eletrônico. Essa escalada não poupou nem as estrelas do “socialismo de Mercado” inaugurado pelos chineses: os novos bilionários.

O MANDARIM O presidente Xi planeja obter um terceiro mandato em 2022 (Crédito: Aly Song)

Há meses o PC chinês tem reforçado seu controle sobre as corporações, mas não se imaginava que isso afetaria o motor do crescimento do país, as gigantes tecnológicas e de comércio e as startups responsáveis em aumentar a produtividade e colocar a China na vanguarda das transformações digitais. Mas foi exatamente isso que o governo sinalizou. Um terremoto sacudiu o mercado de capitais quando a autoridade da área informou na segunda-feira, 23, que foi suspensa a abertura de capital de 40 empresas nas bolsas de valores. Os índices já acumulam quedas de 11% em Hong Kong e 6% em Xangai, desde julho.

Esse avanço estatal mudou o consenso que vigorava até o momento entre os observadores estrangeiros: de que as empresas seriam poupadas, em nome do crescimento. Agora, os investimentos estrangeiros despencam e já se admite que a expansão será afetada. “A cada novo anúncio do governo, aumenta a cautela dos investidores com os ativos chineses. Mas o que acontece nas bolsas de valores demora a se refletir na economia”, diz João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos. Ele observa que o forte crescimento da economia chinesa é puxado tanto pelo aumento da demanda interna como da externa. A dependência mundial pelos produtos e componentes chineses dá ao Partido Comunista o espaço para intervir na economia e regulamentar setores inteiros, a despeito do que pensam críticos e investidores. “O plano quinquenal do PC projeta uma expansão sustentada de 7% por ano no PIB, aumentando a regulamentação. Outros objetivos são a redução das emissões de carbono e das desigualdades sociais, que aumentaram”.

O caso dos magnatas evidencia que o PC não teme desestimular a formação de novos empresários. Dois episódios recentes ilustram o preço de criticar o regime nas redes sociais. O líder do agronegócio Sun Dawu foi condenado a 18 anos de reclusão por “espalhar a sedição e provocar problemas”. E o magnata Ren Zhiqiang pegou pena igual, por “corrupção e suborno”. Foram punições mais pesadas que sofreu Jack Ma, dono do conglomerado Ant Group. Ma criticou a regulamentação em outubro de 2020, sumiu e só reapareceu em janeiro. Em novembro, o governo suspendeu o IPO da sua companhia. A matriz do site Ali Baba e do sistema de pagamentos Ali Pay era considerada a “Amazon chinesa”. O IPO do Ant seria o maior da história, avaliado em US$ 37 bilhões (R$ 194 bilhões). Esse não foi o único ícone do capitalismo chinês a sofrer. Em julho, o governo suspendeu o aplicativo de transportes Didi, quatro dias após a empresa fazer o IPO na Bolsa de Nova York. “Esses dois eventos acenderam a luz amarela no mercado financeiro. A partir daí, o investidor começou a precificar a regulamentação”, diz Leal. Também sofreram restrições a Tencent Group, gigante dos videogames, e o Baidu, o principal motor de buscas da Internet na China e um grande player na segurança da informação.

Retórica anticapitalista

Também há uma escalada retórica contra os valores capitalistas que garantiram maior competição e crescimento. O presidente Xi Jinping declarou que o país precisa “ajustar o lucro excessivamente alto e corrigir a distribuição de renda”. No dia 23 de agosto, o Painel Legislativo anunciou uma nova lei de proteção à informação pessoal para todas as empresas de tecnologia. Ao contrário da lei homóloga implantada pela Europa, que objetiva proteger a privacidade e os direitos individuais, essa norma visa manter o poder sobre as companhias e as pessoas. A China considera que a informação é o “petróleo do século XXI”, e quer garantir o controle estatal sobre essa riqueza, mesmo que isso afete o dinamismo da economia e mantenha a retrógrada ideologia comunista.

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