BRICS pode ajudar a recuperar ‘prejuízos gigantescos’ da Lava Jato, dizem especialistas

Em março de 2021, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou um estudo encomendado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) apontando que a Lava Jato causou prejuízos de R$ 172,2 bilhões ao Brasil. O levantamento aponta ainda que cerca de 4,4 milhões de empregos foram perdidos e R$ 47,4 bilhões em impostos deixaram de ser arrecadados. O impacto foi sofrido para além dos setores de energia e construção civil, chegando também à área de transportes terrestres e comércio.

Criada em 2014, a Lava Jato ganhou as manchetes como a maior operação de combate à corrupção da história brasileira. Apesar disso, poucos meses após ser extinta e incorporada ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em fevereiro de 2021, sucessivas condenações baseadas na operação foram anuladas no Supremo Tribunal Federal (STF) por erros processuais. O caso mais famoso é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em 2018 foi preso e impedido de se candidatar à presidência como desdobramento de condenação no âmbito da operação.

‘Prejuízos gigantescos’ à credibilidade da Justiça brasileira

Para o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, as anulações mostram que a Lava Jato causou prejuízos gigantescos à credibilidade da Justiça no Brasil. Como exemplo, ele destaca que uma parcela significativa da população brasileira acredita que a anulação de decisões judiciais provenientes da operação em tribunais superiores foi feita por critérios políticos, e não técnicos.

“É como se houvesse por parte dos tribunais superiores algum tipo de leniência, de favorecimento a autoridades — o que não é verdade. As decisões da Lava Jato, que foram anuladas por vários tribunais, não apenas o Supremo [Tribunal Federal, STF] — é bom deixar claro —, foram anuladas porque nelas havia vícios e nulidades insanáveis que foram, muitas vezes, se perpetuando ao longo dos anos”, afirma em entrevista à Sputnik Brasil.

No final de abril, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) também se manifestou contra decisões da operação e concluiu que o ex-presidente Lula teve os direitos políticos e a garantia a um julgamento imparcial violados pela Lava Jato.

“Então, a credibilidade da Justiça fica abalada justamente por esse entendimento equivocado de que a revisão de decisões judiciais, na maioria das vezes condenatória, significa algum tipo de impunidade”, explica Botelho, acrescentando que revisões como essas são comuns na Justiça.

O advogado criminalista ressalta que para evitar a repetição de eventos como os da Lava Jato basta seguir a lei brasileira, que prevê punições contra abusos. “A lei processual brasileira é boa. O que há, muitas vezes, é o completo desrespeito à lei. E se esse desrespeito é feito de forma intencional, proposital, com algum fim espúrio, que seja aplicada a Lei de Abuso de Autoridade [13.869/19], que está aí justamente para punir aquela autoridade que em desvio de conduta comete o crime”, afirma.

Apesar de criticar a postura do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol no âmbito da Lava Jato, Botelho defende o direito de ambos tentarem cargos políticos nas próximas eleições. Da mesma forma, o advogado acredita que uma quarentena para juízes e promotores que queiram concorrer a cargos eleitorais faria bem ao processo democrático brasileiro.

“Eu defendo, sim, uma quarentena para juízes e promotores. Justamente para não acontecer o que no caso deles vem acontecendo: a afirmação correta de que eles se utilizaram do cargo com fins pessoais, políticos, ideológicos e, hoje sabemos, eleitorais. Portanto, a quarentena para juízes e promotores é essencial para que a gente não corra o risco de que, enquanto na cadeira desses cargos, as autoridades possam fazer uso delas em benefício próprio”, avalia.

Lava Jato tentou pintar a Petrobras como empresa falida

No âmbito econômico, alguns dos setores mais afetados pela operação foram os de energia e construção civil. Segundo o relatório do Dieese, apenas neste último, 1,1 milhão de empregos foram perdidos. Para o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa, apesar do forte impacto nas áreas lideradas por Petrobras e algumas empreiteiras como a Odebrecht, os dados mostram que a economia brasileira foi atingida como um todo.

“A própria produção, por exemplo, a produção e a cadeia produtiva da indústria naval, também foi muito atingida. Isso porque ela tem a ver com a própria cadeia de produção da Petrobras. […] Sem dúvida nenhuma a Lava Jato atingiu a economia como um todo”, afirma Lisboa em entrevista à Sputnik Brasil.

Já Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), avalia que a Lava Jato gerou impacto “amplamente negativo” sobre a Petrobras e que a operação tentou promover a ideia de que a empresa é “corrupta e falida”. Recentemente a estatal divulgou lucro líquido de R$ 44,5 bilhões apenas no primeiro trimestre de 2022. Bacelar ressalta que a Lava Jato freou investimentos da petrolífera em pesquisas, desde o lançamento de sondas até a ampliação da capacidade de refino.

“Infelizmente, hoje, os investimentos foram muito reduzidos, se comparados com os investimentos que tínhamos até 2013. Estamos falando de investimentos que entre 2009 e 2013 foram de mais de US$ 40 bilhões [cerca de R$ 195 bilhões] por ano. Em 2021 foram apenas US$ 8,8 bilhões [cerca de R$ 39 bilhões]”, lamenta Bacelar em entrevista à Sputnik Brasil.

O petroleiro acrescenta que atualmente os investimentos da petrolífera estatal foram deslocados de áreas rentáveis e sustentáveis, incluindo pesquisa de energias renováveis, para focar em áreas de exploração de petróleo e gás.

Nos últimos anos a empresa também tem vendido ativos, como a BR Distribuidora. Recentemente, a ideia de privatizar totalmente a Petrobras foi ventilada no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Na quinta-feira (12), o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, entregou ao ministro da Economia, Paulo Guedes, um pedido de estudo para a venda da gigante estatal.

BRICS pode ajudar a recuperar prejuízos da Lava Jato

O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa, acredita que a operação teve influência de “interesses estrangeiros” com objetivo de gerar impacto econômico sobre empresas brasileiras como a Petrobras. Lisboa ressalta que essa movimentação teve apoio de elites locais.

“Houve interesses estrangeiros na operação […]. Isso é uma situação absolutamente conhecida no mundo inteiro, de que a operação Lava Jato foi uma operação de guerra híbrida”, aponta Lisboa, referindo-se ao conceito popularizado pelo analista geopolítico Andrew Korybko.

O coordenador-geral da FUP vai no mesmo sentido e sugere que investigações sejam realizadas para revelar possíveis interesses atrelados à Lava Jato. Em 2021, essas ideias chegaram a ser discutidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski durante julgamento que terminou com a anulação de condenações de Lula. Os membros da operação sempre negaram quaisquer relações desse tipo.

“É importante e necessário que se investigue por que uma operação tão danosa para o Brasil ganhou tanto poder. É perceptível, ao nosso ver, que houve interesses supranacionais que instrumentalizaram a Lava Jato”, afirma Bacelar, acrescentando que acredita que agências de inteligência dos Estados Unidos influenciaram a operação. Bacelar acredita que caso Lula volte à presidência, esses interesses serão investigados e a Petrobras ganhará mais espaço.

Para o secretário da CUT, a articulação com o BRICS pode ser um caminho futuro para ajudar o Brasil a recuperar os prejuízos econômicos apontados pelo Dieese. Apesar disso, Lisboa salienta que o grupo passa por um momento delicado e que as eleições no Brasil seriam fundamentais nesse processo.

“A eleição do ex-presidente Lula é uma esperança de retomar uma capacidade de articulação do BRICS, porque hoje isso ficou basicamente nas mãos de China e Rússia. […] Obviamente que o BRICS é um espaço de articulação para recuperar prejuízos causados pela Lava Jato, mas é preciso também retomar a estratégia do bloco”, avalia o sindicalista, ressaltando as dificuldades do grupo diante do conflito na Ucrânia.

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