Autoridades de OTAN e Ucrânia reforçam campanha para recrutar brasileiros a lutar no front por Kiev. De acordo com o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, compatriotas aliciados pela Ucrânia não só correm risco de vida no exterior, mas também de serem alvo de processo penal em território nacional.
O mês de julho foi marcado pela retomada de atividades de mobilização por parte de autoridades da Organização do Tradado do Atlântico Norte (OTAN) e de Kiev para sustentar o esforço de guerra na Ucrânia. Com escassez de soldados, pessoal especializado e informações confiáveis, o Sul Global e a própria Rússia entraram na mira dos recrutadores.
O diretor da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), William Burns, admitiu estar utilizando as redes sociais para recrutar novos espiões ligados a Moscou, reportou a emissora CNN.
“Recentemente, usamos a mídia social – nosso primeiro post de vídeo no Telegram, na verdade – para permitir que os corajosos russos saibam como entrar em contato conosco com segurança na dark web”, disse Burns. “Estamos abertos para negócios.”
No Sul Global, no entanto, a proposta de trabalho oferecida por OTAN e Ucrânia é outra: lutar no front ucraniano durante operações de caráter ofensivo, de alta periculosidade.
No Brasil, supostos ex-combatentes pró-Kiev estão aumentando suas atividades nas redes sociais para convencer brasileiros a lutar no conflito mais violento do século XXI, alerta o analista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, comandante Robinson Farinazzo.
“A Ucrânia faz o recrutamento no Sul Global porque não tem mais gente para enviar para o campo de batalha”, disse Farinazzo à Sputnik Brasil. “Além de completar as suas fileiras, o recrutamento também tem efeito propagandístico.”
Segundo ele, a mídia brasileira desinforma seus leitores ao “vender a história de que a guerra na Ucrânia era um safári de matar soldados russos”, de que os combatentes brasileiros “fariam postagens nas redes sociais e seriam recebidos em casa como heróis”.
“Quem foi lá viu que não é bem assim”, considerou Farinazzo. “Este é um conflito de alta intensidade, no qual muitos morrem logo ao chegar na linha de frente, sem nem sequer entrar em combate.”
Artilharia autopropulsada das Forças Armadas da Rússia durante a operação militar especial na Ucrânia, 16 de março de 2023
© Sputnik / Yevgeny Biyatov
Em 2022, pelo menos três brasileiros faleceram ao se juntar à Legião Estrangeira coordenada por Kiev. No contexto atual da contraofensiva, uma guerra que já era assimétrica fica ainda mais perigosa.
“Os EUA já enviaram de 30% a 40% do seu estoque de munição de 155 mm para a Ucrânia. É uma batalha de artilharia violentíssima, o conflito mais violento desse o início do milênio”, disse Farinazzo. “Eu não sei se as pessoas que estão indo pra lá tem consciência disso.”
O oficial da reserva da Marinha do Brasil relata que o perfil de brasileiros aliciados para lutar na Ucrânia varia: um primeiro grupo seria formado de pessoas ideologicamente comprometidas com ideais radicais ou neonazistas, e um segundo de pessoas buscando aventuras pessoais.
“Nós, de países latino-americanos, vamos ter problemas, porque muita gente vai voltar com as ideias complicadas em virtude de contato com grupos como Pravy Sektor [organização extremista proibida na Rússia] e neonazistas ucranianos. Esse será um problema futuro para os países do Sul Global com esse pessoal que regressa da Ucrânia”, acredita Farinazzo.
Um terceiro perfil, no entanto, está sendo explorado pelos recrutadores de Kiev, conforme relatou o brasileiro recentemente aliciado, Léo Ortiz, à Jovem Pan News.
“As pessoas que estão agora lá, no geral, são de classe mais baixa. As pessoas de classe média já todas fugiram. São pessoas carentes, precisando de apoio e que não tem para onde ir”, disse Ortiz. “Me disseram que a situação é tensa e complicada, que os russos mandam artilharia neles direto, e para que eu pensasse bem.”
O brasileiro foi informado que receberá pagamento em dinheiro para lutar, promessa que “dificilmente se realiza”, conforme nota a própria videorreportagem do veículo de imprensa brasileiro.
Nova onda de aliciamento
O caso de Léo Ortiz confirma o esforço ucraniano de promover uma nova onda de recrutamento entre cidadãos de América Latina, África e Oriente Médio, conforme alertou o Ministério da Defesa da Rússia, na segunda-feira (10).
A realização de campanha sistemática e institucional de aliciamento no Brasil por parte de país estrangeiro pode configurar crime, alertou o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, a ADEPOL do Brasil, pesquisador de conflitos militares e autor de estudos do História Militar em Debate, Rodolfo Queiroz.
“O recrutamento institucional e oficial com promessas de ganho financeiro pode caracterizar infrações sérias ao ordenamento jurídico brasileiro, implicando possível responsabilidade criminal e civil para quem tentar mercantilizar esse tipo de recrutamento no Brasil”, disse Queiroz à Sputnik Brasil.
Segundo ele, “recrutar cidadãos brasileiros para servir a forças militares ou paramilitares estrangeiras pode caracterizar crimes previstos na Lei de Organização Criminosa – Lei 12850/2013”.
Por ora, as campanhas de aliciamento estão sendo “realizadas de maneira informal, pela Internet. Caso fossem realizadas de forma institucional, Kiev e seus aliados poderiam incorrer em crime”, concedeu Queiroz.
Militares participam de manobras no campo de treino Yavoriv, perto de Lvov, Ucrânia, 24 de setembro de 2021
© AP Photo / Pavlo Palamarchuk
O presidente da ADEPOL ainda alerta que os crimes cometidos na zona de guerra pelos brasileiros aliciados podem ser passíveis de processo no Brasil, de acordo com o princípio da extraterritorialidade.
“Quem atentar contra a vida de outrem em um teatro de operações servindo a uma força estrangeira pode, dependendo da circunstância a ser apurada e do pedido de cooperação jurídica do Estado interessado, ser tecnicamente enquadrado legalmente em crime de homicídio, diante do princípio da extraterritorialidade da lei penal disposto no artigo 7°, II, alínea a, do Código Penal”, explicou Queiroz.
Em 2022, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil “desaconselhou enfaticamente” que brasileiros fossem à Ucrânia, “enquanto não houver condições de segurança no país”. O Itamaraty tampouco garante assistência para o translado do corpo dos brasileiros mortos em combate, declarando não haver “previsão regulamentar e orçamentária para o pagamento do traslado com recursos públicos”.
Sistema de lançamento múltiplo de foguetes Tornado-G das tropas russas faz fogo contra alvos no setor sul da operação militar especial
© Sputnik
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Esse foi o caso de André Luís Hack Bahi, cujos parentes não dispunham de recursos para financiar o translado do corpo ao Brasil, após sua morte na Ucrânia, em junho de 2022. Sua esposa relatou ao portal G1 o último contato com o seu marido.
“Dentro do carro, ele me fez a ligação. Isso com os olhos chorosos já, cheios de lágrimas, eu não entendi o porquê. Daí ele pegou e falou assim: ‘Para onde eu estou indo é pior do que todas as outras missões que fiz.’ Ele ainda falou: ‘Tira um print da tela, amor, que essa pode ser a nossa última foto'”, relatou a viúva do brasileiro.
O presidente da ADEPOL do Brasil engrossa o coro do Itamaraty e desaconselha brasileiros a seguirem o rumo do falecido André Hack Bahi.
“A escala de mortes nesse conflito é colossal e, de acordo com relatos de muitos soldados ucranianos e mercenários de origem estrangeira, o tempo de sobrevivência no front é de poucos dias”, alertou Queiroz.
As Forças Armadas russas também alertam contra a ida de brasileiros às fileiras de Kiev. Apesar de o Brasil ser considerado um país amigo, as Forças Armadas russas não têm como discernir combatentes estrangeiros dos combatentes ucranianos, tampouco como assegurar a sua segurança no ambiente de combate.
“As Forças Armadas russas continuarão eliminando os mercenários estrangeiros durante a operação militar especial, independentemente de sua localização no território da Ucrânia”, alertou a Defesa da Rússia.