Brasil defende multilateralismo e independência do Ocidente ao apoiar Rússia no G20, diz analista

Os impactos globais da crise ucraniana, somados ao longo processo de recuperação econômica em um mundo pós-pandêmico, levaram temas como o multilateralismo e as seguranças alimentar e energética ao centro do debate. Os assuntos estarão à mesa de discussões dos ministros das Relações Exteriores do G20, que se reúnem nos próximos dias 7 e 8, em Bali, na Indonésia.

As conversas servirão como base para a reunião de líderes do G20, programada para 15 e 16 de novembro, e terão como pano de fundo as disputas relacionadas à operação militar russa na Ucrânia.

Diante de tentativas do Ocidente de boicotar e isolar a Rússia, por meio da escalada de sanções econômicas e manobras geopolíticas, o Brasil se posicionou como voz ativa na defesa da permanência de Moscou no grupo, ressaltando a importância da manutenção dos canais de comunicação.

“Ao G20, já manifestamos claramente a posição para que a Rússia pudesse participar da cúpula de líderes. A exclusão da Rússia não ataca o verdadeiro problema, que é o conflito”, disse o chanceler brasileiro, Carlos França, em coletiva no dia 18 de abril.

Sobre os debates desta semana entre ministros do G20 sobre multilateralismo e as seguranças alimentar e energética, o Itamaraty afirma que o encontro será “de grande relevância no atual contexto internacional de recuperação pós-pandemia, tensão geopolítica e mudanças nas cadeias produtivas globais de alimentos e energia”.

Para o cientista político e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha, o Brasil tem mantido sua tradição diplomática de multilateralismo e pragmatismo sob a gestão de França. Ele afirma que “não é do interesse do país e da América Latina entrar na rota de colisão entre o eixo euroasiático e o ocidental”.

Segundo ele, houve uma mudança de rumo com a saída do ex-ministro Ernesto Araújo e a chegada de França ao Itamaraty. O especialista diz que o ex-chanceler defendia “um Brasil trumpista” e “colocava o enorme conjunto de recursos humanos do Itamaraty em segundo plano”.

Rocha avalia que o país já poderia estar “muito mais ativo” e “vinculado ao novo eixo de desenvolvimento do mundo, que gira por Ásia e Eurásia, reforçando as relações Sul–Sul com presença diplomática em vários países”. “Comparativamente, a diferença entre Carlos França e Ernesto Araújo é infinita, mesmo no sentido pragmático”, destacou.

Para o especialista, o Brasil “está se portando bem” em sua defesa da permanência da Rússia no G20.

“Em última análise, o Brasil está defendendo os interesses de países de nível médio, como o nosso, a Indonésia, a Malásia, o Paquistão, nações que têm muito a ganhar até com a possibilidade de outra arquitetura financeira mundial, que não dependa da SWIFT, por exemplo”, apontou Rocha.

Segundo ele, a grande vantagem de buscar uma plataforma alternativa à Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT, na sigla em inglês) “é não precisar evitar comércio com países sancionados e importantes, como Rússia e Irã“.

A SWIFT é uma organização independente com sede na Bélgica que serve como um sistema interno de mensagens entre mais de 11 mil bancos e instituições financeiras em mais de 200 países. Os bancos russos foram desconectados da sua rede.

“À medida que se tenha um sistema de trocas que opere como uma espécie de lastro financeiro da globalização euroasiática ou do comércio internacional que não passe pelo Ocidente, já ajuda todo mundo”, afirmou.

De acordo com o especialista em relações internacionais, uma nova estrutura financeira mundial ajudaria a evitar crises, impediria a “fuga de dólares” e seria menos sensível a alterações da taxa de juros nos EUA.

“A SWIFT deixa os países ‘à mercê’ de restrições impostas pelos EUA”, disse Rocha.

‘Poucos espaços são tão frutíferos como o BRICS’

Rocha ainda avalia que ampliar relações com países do BRICS e do BRICS+ é o primeiro passo para o Brasil fortalecer suas seguranças alimentar e energética.

“No BRICS, temos dois países com vocação petroleira, que são Brasil e Rússia, e ambos com uma produção alimentar gigantesca.”

Por isso, o especialista defende uma retomada de planejamento brasileira, com compromissos de compra e venda de commodities agrícolas intra-BRICS e com o BRICS+.

“Tudo aquilo que vier a diminuir o poder da especulação, das incertezas derivadas da disputa da nova hegemonia mundial vem para bem. Poucos espaços são tão potencialmente frutíferos para isso como o BRICS e o BRICS+. É por onde acho que deveria se desenvolver uma meta de médio prazo para uma economia brasileira inserida no sistema internacional”, afirmou.

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