Com impactos profundos ao Estado e municípios, a Reforma Tributária foi debatida na tarde desta segunda-feira (8) em audiência pública realizada no plenário da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS). Da reunião, proposta pelos deputados Paulo Corrêa (PSDB) e Pedrossian Neto (PSD), resultou documento, denominado “Carta de Campo Grande”, que elenca pontos de preocupação e de críticas à reforma, devido a riscos previstos, como perda de competitividade, migração da receita da origem para o destino, fim da autonomia estadual e desindustrialização decorrente da extinção dos incentivos fiscais.
A audiência foi organizada em dois momentos para apresentação e discussão de tópicos principais de dois textos diversos: o das Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 45/2019 e 110/2019, já com pontos convergentes; e o da PEC 46/2022. As primeiras, mais avançadas no Congresso, foram criticadas, de modo geral, pelos participantes da reunião. E a segunda foi apresentada como via alternativa, que contemplaria questões preocupantes a Mato Grosso do Sul, conforme defesas feitas durante a audiência.
Com o plenário lotado por prefeitos, vereadores, advogados tributaristas, entre outros profissionais e autoridades, a audiência contou com a presença, além dos parlamentares proponentes, do presidente da ALEMS, Gerson Claro (PP), dos deputados federais Beto Pereira (PSDB) e Geraldo Resende (PSDB), da procuradora-geral do Estado, Ana Carolina Ali Garcia, do secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, do desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJMS), Alexandre Bastos, e do prefeito de Nioque, Valdir Júnior (PP), presidente da Associação dos Municípios de MS (Assomasul).
A Carta de Campo Grande, lida pelo deputado Paulo Corrêa no fim da audiência, resume críticas e preocupações dos participantes da audiência em 11 pontos de conclusão, entre os quais estão os seguintes: combate à federalização tributária; garantias aos estados e municípios de repartição de receitas relativas ao Fundo Nacional a ser criado com a reforma; contraposição entre a pretensa simplificação do sistema tributário e a possibilidade de perda de receita do Estado e municípios e da autonomia legislativa econômica; regra de transição com prazo insuficiente e falta de clareza; aumento da sonegação e “pejotização” (contratação por empresas de pessoas jurídicas e não de empregados formais) no setor de serviços.
PECs 45/2019 e 110/2019
A apresentação e defesa das PECs 45/2019 e 110/2019 foram feitas pelo gerente executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Carraro. Ele contextualizou as propostas, informando que, inicialmente (em 2019), eram duas (a 45, da Câmara Federal e a 110, do Senado), com modelos diferentes e que agora reuniriam pontos comuns, podendo se fundirem, conforme sinalizaria o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
De modo geral, como explanado pelo executivo, a reforma propõe a criação de duas IVAs (Imposto sobre Valor Agregado), uma federal e outra regional. A primeira é a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria o PIS e o Cofins; e a segunda é o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), a ser criado no lugar do ICMS e do ISS.
Essa mudança tributária, conforme exposto por Carraro, reúne diversas características e vantagens, como base ampla de incidência de impostos (abrangendo todos os bens e serviços), alíquota padrão uniforme (mas com possibilidade de tratamento favorecido para algumas mercadorias e serviços, como de saúde, educação e alimentos), crédito amplo, devolução rápida dos saldos credores e desoneração completa de investimentos e exportações.
PEC 46/2022
Outra alternativa de reforma tributária é a da PEC 46/2022, que não prevê unificação da alíquotas e estabelece compensações para reduzir desequilíbrios entre os estados. A proposta foi apresentada por Cássio Vieira Pereira dos Santos, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco).
Ele afirmou que as demandas de serviços são crescentes nos municípios, que seriam prejudicados pela reforma tributária da PEC 45. Isso porque essa proposta funde o ISS (que incide sobre serviços) ao ICMS. “E o ISS é o imposto que mais cresce no Brasil”, disse, informando que de 2004 a 2019, o aumento desse tributo foi de 5,5% ao ano, enquanto o do ICMS foi menos da metade, de 2,3% ao ano.
O presidente da Anafisco elencou objetivos e propostas da PEC 46/2002, entre os quais estão: não formentar o aumento da carga tributária, não transferir carga entre setores, priorizar a simplificação e aperfeiçoar a não-cumulatividade e fortalecer a federação.
Críticas e preocupações
Os deputados e outros participantes expuseram preocupações e fizeram várias críticas à reforma, tal como consta nas PECs 45/2019 e 110/2019. “O Pacto Federativo está sendo totalmente desrespeitado. O ICMS tem que ser na origem. O dinheiro não volta [se a tributação for no destino]. Não tem confiabilidade do governo federal para dizer que volta. Mato Grosso do Sul não pode deixar que aprovem um negócio desse”, asseverou o deputado Paulo Corrêa.
“Isso é uma verdadeira bomba para Mato Grosso do Sul. Se apertarmos esse botão, vamos desindustrializar o Estado”, disse o deputado Pedrossian Neto. Ele argumentou que a reforma, prevista nas PECs 45/2019 e 110/2019, favorece a indústria, mas prejudica a agricultura e o setor de serviços, cuja alíquota pode chegar a 25% (o que será definido, caso a reforma seja aprovada, em lei complementar).
“Nossa economia é preponderantemente agrícola. É inegável que haverá aumento de carga tributária. E, no caso da indústria aqui em Mato Grosso do Sul, a carga de tributos já é reduzida, por causa dos incentivos fiscais”, disse. E o fim desses incentivos, resultante da reforma, foi ponto de atenção do parlamentar e dos demais participantes da audiência. “Isso é uma preocupação grande para nós aqui de Mato Grosso do Sul.
O desembargador Alexandre Bastos considerou que a reforma afeta, até mesmo, a organização do país em unidades federativas, tornando-se um estado nacional. “Federalizar a tributação mais forte que o Estado tem, que é o ICMS, é fazer com que o Brasil deixe de ser uma federação e se torne um estado nacional. Se for isso, deve-se fazer um plebiscito e não colocar de forma disfarçada numa reforma tributária. Uma das essências da guerra fiscal é a autonomia de cada estado”, considerou.
Os encaminhamentos da audiência fundamentarão as decisões da bancada federal de Mato Grosso do Sul. De acordo com o deputado federal Beto Pereira, os parlamentares votarão em consenso, considerando os interesses do Estado e não questões partidárias. “Mato Grosso do Sul tem uma posição e essa posição passou hoje pela Assembleia Legislativa. A posição de nossa bancada será uma em defesa dos interesses do nosso Estado”, assegurou Beto Pereira.
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