O deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) não têm demonstrado a sincronia esperada à frente das casas legislativas que presidem. Ambos eleitos com o apoio de Bolsonaro, seguem agora rumos diferentes. Lira age em favor do presidente, tendo inclusive colocado uma de suas bandeiras, o voto impresso, para ser avaliado pelo plenário. Já Pacheco ignorou rapidamente o pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, feito pelo chefe do Executivo.
Há a tese de que o presidente do Senado teria uma maior autonomia por ter sido apoiado por um grupo mais abrangente que vai além da base bolsonarista. Pacheco recebeu votos da extrema direita e, ao mesmo tempo, dos petistas — uma vitória complexa. Nos bastidores, a justificativa ficou em torno de um entendimento de que o mineiro é mais confiável e costuma manter os acordos “no fio do bigode”. O perfil discreto do senador também conta a seu favor. Pacheco integra o DEM, um partido tradicionalmente da direita, mas que sempre conseguiu manter o diálogo com diferentes forças políticas. Por sua vez, o presidente da Câmara não tem tamanha independência. Não fosse a articulação de Bolsonaro, ele não teria chances de ser eleito. Por isso, é clara a sua subserviência. Lira tem a ingrata tarefa de criar sofismas inexplicáveis: os argumentos para deixar os mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro engavetados são tão frágeis como equivocados. Da mesma forma, ter colocado em votação a emenda do voto impresso serviu apenas para alimentar as teorias conspiratórias do Planalto.
Mais do que uma questão de estilo, o deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP) afirma que: “As atitudes revelam quem tem o rabo preso. O Lira está a serviço de Bolsonaro”. Bozzela diz que Pacheco tomou um choque de realidade e não se deixa ser atropelado pela pauta de Bolsonaro. “Pacheco atua republicanamente, presidindo o Senado, enquanto o presidente da Câmara é subserviente ao Planalto.” Um dos principais motivos é a ligação de Lira com o ministro da Casa Civil e presidente do PP, Ciro Nogueira. “O PP é um partido oportunista e está a serviço do presidente”, enfatiza Bozzella.
O cientista político Ricardo Ismael afirma que a situação ocorre porque o Senado abriga líderes mais experientes. Muitos ali já foram governadores e ministros. Já a Câmara é mais popular, uma representação da diversidade e peso político dos estados e regiões. “Pacheco não rompeu com o Bolsonaro, mas a agenda do presidente é na Câmara. É lá que o mandatário encontra o empenho do Arthur Lira pela aprovação. Enquanto o Arthur Lira deve tentar a reeleição, o Rodrigo Pacheco ensaia voos mais altos, inclusive podendo ser candidato à Presidência”. Eleito recentemente, Pacheco surfa na possibilidade de tentar algo maior – se não conseguir se viabilizar, poderá manter o cargo de senador. Ele é o candidato de Gilberto Kassab, presidente do PSD e figura importante no xadrex eleitoral pelo tamanho de seu partido.
Por serem diversos, os caminhos das casas legislativas têm se confrontado. A discussão em torno da reforma eleitoral colocou os presidentes em conflito. Lira apressa a discussão de temas corporativistas, como a redução da fiscalização partidária e a volta das coligações proporcionais. O contragolpe foi imediato no Senado: Pacheco deixou claro que as propostas eram um retrocesso, e não as apoiaria. O resultado momentâneo é que o ministro do STF, Dias Toffoli, determinou (31/8) que o presidente da Câmara explique por que a reforma eleitoral ocorreu sem os trâmites usuais, que incluem a passagem por comissões e uma discussão mais ampla. Toffoli atendeu ao pedido de movimentos sociais e a políticos que entraram com mandado de segurança.
Embora estejam discordando constantemente, Lira e Pacheco negam veemente que exista qualquer conflito. As divergências, no entanto, são públicas. A reforma tributária gerida por Lira previa apenas mudanças no Imposto de Renda — Pacheco discordou e mandou recado de que precisava de tempo para que o tema fosse debatido com mais profundidade. No Senado, os “jabutis” escondidos nos projetos, como no caso da MP de abertura de empresas, têm sido barrados.
Os reflexos da atuação de ambos têm extrapolado o ambiente legislativo. Lira interviu na Fiesp para conter um manifesto de em defesa da democracia, visto como crítico ao governo federal. O aliado de Bolsonaro, Roberto Jefferson (PTB), está preso por ataques às instituições e calúnias contra Pacheco. No Senado, a CPI da Covid continua prestigiada e aprofundando as investigações. A disputa entre os presidentes tem dado algum equilíbrio à República — pior seria ter as duas casas servis a Bolsonaro.