Movimentos políticos brasileiros que se autodeclaram apartidários e propõem a renovação, como o Acredito, Renova Brasil, RASP, MBL e Livres, arregaçam as mangas para melhorar seu desempenho nas eleições de 2022.
Disseminados a partir da crise política de 2013, quando a descrença na política partidária era a tônica, esses movimentos precisarão de se renovar para manter sua influência na política nacional.
“As manifestações de 2013 […] acabaram por ativar o espírito de se fazer política por um viés independente e inovador, escutar a voz das ruas e trazer o cidadão para dentro do campo político”, disse Isabela Bichara Neves, autora do artigo “Análise do arranjo institucional e discursivo dos movimentos RenovaBR e MBL”, à Sputnik Brasil.
Segundo a pesquisadora, eventos como o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a ascensão da ultradireita tornaram “o campo político mais fértil para que novos movimentos ocupassem espaços que antes eram dinamizados por partidos políticos”.
Um caso clássico de ascensão de grupos alegadamente de formação espontânea no Brasil é o MBL, que elegeu lideranças como o deputado federal Kim Patroca Kataguiri (União Brasil-SP) e o vereador Fernando Holiday (Novo-SP).
“Se analisarmos MBL [Movimento Brasil Livre], temos o caso do deputado estadual Arthur do Val [DEM-SP] que não aguentou nem quatro anos na cadeira e foi cassado”, disse o advogado e cientista político Renato Hayashi à Sputnik Brasil. “O Kim Kataguiri […] quase foi processado pelo poder público por apologia ao nazismo durante uma entrevista num podcast. Então, no fim das contas, essa renovação não é lá essas coisas.
“Além do MBL, movimentos com maior destaque são o Acredito, que conta com lideranças como a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) e o senador Delegado Alessandro Vieira (PSDB-SE), e o RenovaBR, financiado por celebridades como Luciano Hulk.Já a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), vinculada ao bilionário brasileiro João Paulo Lemann, elegeu lideranças como o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) e Monica da Bancada Ativista (PSOL-SP). Expoentes da política nacional, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também já passaram pelo movimento.
Grupos de tendência libertária, que defendem o ultraliberalismo econômico, como o Livres, também se utilizam da estrutura apartidária para formar lideranças. Coordenado pelo deputado estadual Fabio Ostermann (Novo-RS), o grupo se vangloria de ter eleito uma “bancada da liberdade” no Congresso Nacional.
Objetivo e estratégia
Fazendo uso extensivo da Internet, esses movimentos políticos dizem ter como objetivo fornecer treinamento ideológico e prático para cidadãos brasileiros interessados em entrar na política.
“Se você é um jovem que quer mudar o Brasil, mas não tem estrutura para participar de uma eleição ou se eleger, esses movimentos se vendem como a ponte que vai fazer você chegar lá”, explicou Hayashi.
A primeira tarefa dos movimentos é recrutar militantes interessados em se engajar em seus cursos de capacitação.
“O recrutamento de possíveis líderes políticos é realizado de forma consistente em redes sociais, universidades e até mesmo em lideranças em nível comunitário como em associações de bairro, ONGs e sociedade civil organizada”, relatou Neves.
Segundo ela, “o recrutamento é tipicamente de comunicação em rede com interação digital o que, de certa forma, atrai os olhares de muitos jovens“.
“É importante destacar que cada movimento utiliza um mecanismo de interação comunicacional diferente com o público. O MBL, por exemplo, utiliza-se do YouTube para atrair seu público alvo”, contou a pesquisadora.
Segundo Hayashi, que é coautor do estudo “Renovação política ou camuflagem eleitoral? Um raio X da ‘nova’ política brasileira”, os movimentos não atingiram o seu objetivo de renovação dos líderes políticos nacionais: “Na prática, a maioria dos eleitos tem, sim, padrinhos políticos tradicionais.”
Financiamento
Uma das principais incógnitas é a fonte de financiamento desses movimentos. Os sites das agremiações enfatizam as contribuições de pessoas comuns, que contribuem espontaneamente para as atividades.
“Como esses grupos não têm receita do poder público, o financiamento tem que ser feito estritamente por vias privadas. As pessoas que se associam a essas entidades fazem contribuições”, atestou Hayashi.
Empresas privadas também financiam esses grupos. Segundo Neves, “o RenovaBR, por exemplo, tem uma vasta participação do setor privado, com empresas de grande porte dando subsídios para a consecução de um projeto educacional da política”.
“Atualmente, o nosso sistema eleitoral proíbe a doação de recursos de campanha realizada por empresas com intuito de diminuir a interferência do poder econômico na esfera política”, notou Neves.
Para ela, o financiamento que esses movimentos garantem às suas potenciais lideranças, como bolsas de estudos e subsídios, poderia burlar as leis sobre financiamento privado de campanhas.
“Se levarmos em conta que houve um investimento anterior à campanha eleitoral para elevar esse candidato a um patamar elegível, podemos considerar que estes movimentos acabam contornando a lei de financiamento privado, delimitando seus interesses a um determinado movimento político”, argumentou Neves.
Hayashi reconhece a existência de financiamento de lideranças por esses movimentos, mas não acredita que isso seja uma violação das leis eleitorais.
“Existem bolsas para os alunos egressos, com valores consideráveis que permitem que você more em qualquer lugar do Brasil de forma confortável”, relatou Hayashi. “Em 2020, tomei conhecimento de uma bolsa de R$ 15 mil para residir em Brasília e atuar como fomentador do instituto junto ao Congresso Nacional.
“No entanto, segundo o advogado, “de uma forma macro, isso é uma forma de financiamento. Mas do ponto de vista jurídico, não configura financiamento de campanha“.
Influência internacional
As doações de pessoas físicas e jurídicas no Brasil nem sempre são o suficiente para manter os movimentos funcionando. De acordo com reportagem de Camila Rocha no Le Monde Diplomatique Brasil, quando as doações internas ficam escassas, alguns desses institutos recorrem a editais de think tanks estrangeiros, como os norte-americanos Cato e Atlas e o alemão Friedrich Naumann.
Neves ainda relata que “alguns movimentos políticos de cunho liberal possuem conexões com think tanks como Instituto Millenium, Instituto Mises e Atlas Network”.
O deputado estadual Fabio Ostermann (Novo-RS), que tem passagem pelo MBL e atualmente coordena as atividades do Livres, recebeu bolsa de capacitação de organização chamada Students For Liberty, que faz parte da Atlas Network.
A rede Atlas foi inaugurada nos EUA na década de 80 para propagar o ideário neoliberal do economista Frederick Hayek em atores sociais considerados chaves, como intelectuais, jornalistas e artistas.
A rede atualmente conta com mais de 500 think tanks em operação mundialmente e, de acordo com reportagem do jornal britânico The Guardian assinada pelo jornalista Dom Phillips, recebe financiamento dos irmãos norte-americanos Charles e David Koch.
Prestação de contas
Para Neves, as informações sobre quem financia movimentos que estão formando lideranças políticas brasileiras são de interesse público e deveriam ser divulgadas de forma transparente.
“É imprescindível a manutenção da transparência por estas instituições para que os eleitores reconheçam os financiadores destes candidatos. Visualizar quem está financiando um determinado candidato político pode ser importante para saber como serão realizadas as tomadas de decisão ao ser eleito”, declarou Neves.
A prestação de contas desses movimentos depende essencialmente do contrato social de cada um dos institutos, que podem estar registrados como associações, fundações ou outros regimes jurídicos, indica Hayashi.
“Para prestar contas ao poder público, tem que haver dinheiro público envolvido. Não sendo esse o caso, não há prestação de contas, mas só declarações como a de imposto de renda da empresa”, explicou o advogado.
Durante o processo eleitoral de 2022, caberá à sociedade civil monitorar as origens do financiamento de seus candidatados e sua filiação a movimentos alegadamente apartidários.
“A atuação destes movimentos continua ativa nestas eleições, porém o ápice destas lideranças independentes decorre do sentimento de vácuo político. Teremos que aguardar o desenrolar das eleições de 2022 para atestar até que ponto estas instituições estão conseguindo se mobilizar eleitoralmente”, concluiu Neves.