Os Tribunais de Contas são órgãos auxiliares dos Poderes Legislativos. Sua função é analisar contas e recomendar correções. Tempos atrás a filosofia de trabalho dos TCEs era orientativo e educativo. Levou tempo para que mudasse a cultura e a visão de órgão como instrumento punitivo. Houve uma evolução.
Mas o atual presidente do TCE/MS, Jerson Domingos, na ânsia de agir como parlamentar e proprietário de zoológico, mostrou nesta semana que, para ele, o Tribunal se assemelha ao de um comitê eleitoral.
Exorbitando seu papel institucional, vestido com a indumentária de parlamentar e com o vigor de um cabo eleitoral, divulgou uma lista de 493 nomes, atendendo pedido da procuradoria regional eleitoral que precisa legalmente ser certificada, em períodos de eleição, quais gestores públicos no período de 8 anos são passíveis de responder processos que eventualmente possam levá-los à inegibilidade.
Trata-se de medida corriqueira, mas que foi turbinada nas mãos de Jerson para fazer o jogo eleitoral. O Brasil tá cheio disso.
Claro, tudo dentro da lei e das melhores práticas administrativas, conforme o manual do sagaz Conselheiro. Num mundo normal, sem que houvesse a malícia e a malandragem dos interesses políticos, Jerson determinaria que seu corpo técnico elaborasse a requerida lista contendo nomes que poderiam ser enquadrados na legislação eleitoral, abrindo assim os procedimentos para a ampla defesa dos citados e seus devidos esclarecimentos, e vida que segue…
Os órgãos eleitorais estão apetrechados para cuidar desses casos sem estardalhaço.
Mas Jerson, orientado, segundo se especula, pela sua atual namorada brasiliense, Cláudia Paiva, apoiadora entusiasmada da candidatura de Rose Modesto, viu aí uma janela de oportunidade para criar uma bagunça política e influir no jogo sucessório, movida por sabe-se lá quais interesses.
A jogada foi ardilosa: o TCE publicou uma lista envolvendo políticos e administradores, ex-secretários, prefeitos e ex-prefeitos, inclusive personagens que tiveram processos julgados, transitados e inocentados, como a ex-secretária de saúde de André Puccinelli Beatriz Dobashi, figura de reconhecida reputação ilibada, ressaltando que o ato servia para “assegurar a soberania popular”, embora observasse que “não cabe ao TCE a tarefa de declarar a inegibilidade dos gestores que figuram na relação encaminhada do TRE/MS”, numa linha escondida do comunicado oficial.
Perceberam a jogada? Funcionou assim: O Diário Oficial eletrônico do TCE foi disponibilizado em edição extra na última segunda-feira, mas a notícia já havia sido plantada nas redações no final de semana anterior, dando assim prazo de antecedência para que jornalistas prepararem a bomba. Tudo ficou guardadinho esperando o tempo certo de publicação, com a devida narrativa da “inegibilidade”.
Claro, nada mais sensacional para agitar o ambiente. E como só tem gente inocente na imprensa sul-mato-grossense poucos perceberam os detalhes das ações do comitê eleitoral pró-Rose do TCE.
Neste processo a cereja do bolo era a candidatura do senhor Humberto Rezende Pereira, ex-prefeito de Terenos entre 2016 e 2018, candidato à prefeitura de Campo Grande, mais conhecido por Beto Pereira.
De acordo com especialistas, a lei diz pode ensejar a inegibilidade as contas anuais da administração pública e não questões pontuais como contratos e licitações várias. O TCE analisa contas públicas todos os anos podendo aprovar ou não, ou ainda aprovar com ressalvas, enfim, quando se trata de atos específicos, erros, abusos, suspeitas, o órgão alerta o gestor para a devida correção.
Se erros são reiterados e surgem indícios de corrupção o TCE comunica os órgão competentes, com os documentos devidos.
Mas, estranhamente, o TCE, nas mãos do Conselheiro Jerson Domingos, decidiu fazer uma escolha deliberada (e de maneira disfarçada) para colocar o candidato Beto Pereira na Berlinda, dando publicidade a dois processos com nulidades absolutas (por irregularidades de citação) e um por prescrição intercorrente, ou seja, a coisa a ser julgada não existia mais.
É muito fácil fazer confusão na mídia com temas jurídicos, visto que o emaranhado de leis, acórdãos etc., tem o dom de iludir o públicos e fazer explodir fake news.
Estranhamente, o TCE mudou de opinião neste caso específico, ou seja, suspendeu acórdãos elaborados pela própria instituição. Claro que isso gerou uma crise interna e, de acordo com informações vazadas, houve bate-boca entre Conselheiros e até ameaça de encaminhar soluções no mano a mano.
O TCE está polarizado e agora estão organizando lá dentro vários subcomitês eleitorais, todos querendo instrumentalizar a instituição para fazer política para um candidato específico. Parabéns, Conselheiro Jerson. O senhor é um gênio, que dificilmente será colocado de volta à lâmpada.
No fim, todos sabem que nenhum dos candidatos se tornará inelegível, mesmo porque o Tribunal de Contas não anda com a credibilidade lá em cima, sendo confundido ora como a casa da mãe joana ora como almoxarifado da penitenciária, tudo então se transformará em fumaça.
Até os quatis do Parque dos Poderes sabem o que acontece ali dentro. Há muito luxo para esconder a quantidade de lixo que está transbordando.
O novo comitê de Rose Modesto devia ser mais discreto, dispensar o foguetório, e calcular se vale a
pena desgastar-se com uma Casa que tem tudo para pegar fogo nos próximos dias.
Fac-símile da lista do TCE/MS que demonstra que o processo de Beto Pereira não tem validade
Na lista do TCE/MS aparece o nome da ex-secretária Beatriz Dobashi cujo processo está congelado
Fonte: Dante Filho