A Câmara aprovou no dia 15 de julho o fundo eleitoral para 2022 no valor de R$ 5,7 bilhões. A opinião pública condenou o montante bilionário e o presidente, Jair Bolsonaro, decidiu ontem (20) vetar tal valor. A Sputnik Brasil conversou com especialista para saber mais sobre o assunto.
Na semana passada, o Congresso Nacional elevou para R$ 5,7 bilhões o valor previsto para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha em 2022, o chamado fundo eleitoral, destinado ao financiamento de campanhas políticas.
O valor é 185% maior do que o gasto em 2020, sem descontar a inflação, quando os partidos tiveram R$ 2 bilhões de fundo. Em 2018, último ano de eleições presidenciais, os partidos tiveram R$ 1,7 bilhão.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro, que, ontem (20), decidiu vetar o valor, segundo O Globo.
Para entender melhor como funciona a elaboração do fundo eleitoral, suas consequências no orçamento público e o porquê de Bolsonaro vetar tal valor, a Sputnik Brasil conversou com Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
©MARLENE BERGAMO/FOLHAPRESSFernando Haddad, do PT, em caminhada em São Paulo durante a campanha de 2018, quando o fundo eleitoral foi de 1,7 bilhão
Financiamento público
O professor explica que a bandeira do financiamento público é uma bandeira histórica da esquerda, que visa valorizar a política como um serviço público, que não deveria ser financiado por entidades privadas, pois ao ser, introduz na atividade política uma disparidade na distribuição de renda e riqueza expressada nas campanhas eleitorais e no potencial dos partidos políticos.
Segundo Maringoni, quando se coloca bancos e grandes monopólios para financiar atividade política, você transforma a atividade em mais uma arena de jogo de mercado. Como exemplo, o professor cita a campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2014, que arrecadou R$ 320 milhões de reais, sendo a mais cara até o momento, e que tal fato influenciou nas ações do governo.
“A Dilma chamou, imediatamente, o Joaquim Levy, representante do sistema financeiro para o comando da economia, e isso não é à toa. Cria-se uma dualidade que você se compromete com o eleitor com determinadas bandeiras e com sistema financeiro também com outras bandeiras”, explica o professor.
Maringori salienta que o financiamento público não libera o candidato eleito desse compromisso com sistema financeiro, mas dá mais transparência para ver quem é quem e quem faz os gastos.
O professor afirma que, hoje, ter um partido, possibilita criar um negócio eleitoral, ter uma fonte arrecadadora que faz com que os políticos briguem ferozmente entre si pelo gerenciamento da legenda. Para ilustrar tal movimento, o especialista cita a disputa que foi pelo comando do Partido Social Liberal (PSL), o qual o presidente Jair Bolsonaro era afiliado. Para Maringori a verdadeira disputa não foi pelo comando, mas pelo caixa do partido.
“O financiamento público é um passo para você democratizar a atividade política […] campanha política e economia de mercado fazem parte do mercado, existe um preço para se eleger um deputado. Em 2014, estimava-se que para eleger um deputado federal, com nome pouco conhecido, era algo em torno de R$ 1,5 milhão.”
ROBERTO STUCKERT FILHO/PRA presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, acompanhada do chanceler Mauro Vieira e do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, durante encontro com empresários em Nova York (foto de arquivo)
Momento atual
O professor diz que a verba destinada para o fundo eleitoral esse ano, no valor de R$ 5,7 bilhões, é uma “verba indecente”, diante dos cortes que vêm acontecendo em outros setores como o da saúde, educação, ciência e tecnologia.
“Esse gasto com a atividade política é muito menor do que se gasta, por exemplo, nas pensões das Forças Armadas, que não tem utilidade nenhuma. […] O que hoje impactou a opinião pública foi o montante que é maior do que o orçamento anual de seis, oito ministérios, entre eles, o Ministério da Ciência e Tecnologia, que deveria que ter um peso central na pesquisa para elaboração de vacinas na pandemia”, diz Maringoni.
Para o especialista, mesmo que o valor apresentado seja exorbitante, o problema está no teto de gastos, pois o mesmo comprime essa medida que funciona como “um verdadeiro torniquete no orçamento público, já que obriga a fazer ‘uma dança das cadeiras’ dentro do orçamento para ‘tirar daqui e colocar lá'”.
“Nós tivemos desinvestimento na saúde em favor de investimento inútil nas Forças Armadas, que só serviu para alimentar a casta parasitária dos militares que tem que ser penalizada orçamentariamente porque não pode ganhar o que ganha, uma indecência em termos mundiais.”
Portanto, Maringoni acredita que a questão do orçamento não pode ser vista só do ponto de vista do seu montante, mas de uma “forma mais larga, mais política, mais totalizante”.
MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADOReunião no Senado em que foi aprovada a PEC do Teto de Gastos (foto de arquivo)
Cláusula de barreira na questão orçamentária
Questionado se a cláusula de barreira poderia ser um recurso para diminuir o custo das campanhas políticas no Brasil, o especialista diz que há dúvidas sobre tal solução, uma vez que ela pode “funcionar como um facão sobre os partidos de aluguel, mas vai pegar partidos também como o PCdoB, PSTU, REDE, que são partidos importantes que ficarão de fora pela mesma métrica colocada aos partidos fisiológicos”.
Adicionalmente, Maringoni diz que isso é ruim, porque é importante para o Brasil ter essas legendas ideológicas, pois “elas fazem parte da complexidade da sociedade brasileira”.
“A verba destinada aos partidos se dá pelo número de deputados que a legenda alcançou naquela eleição. Se, por exemplo, o PCdoB teve nove deputados eleitos, ele ganha uma verba proporcional aos nove deputados. Se o PMDB elege 50 deputados, ele ganha proporcional a isso. É justo? É aceitável. Mas a compressão da cláusula de barreira nesses partidos menores é difícil”, explicou o professor.
© FOTO / FACEBOOK / PCDOBBandeira do PCdoB durante manifestação. Segundo analista, esses partidos são bons para manutenção de partidos mais ideológicos do que fisiológicos no Brasil
Veto do presidente
Maringori considera que Bolsonaro está em uma encruzilhada com a questão do fundo eleitoral, uma vez que de um lado tem o repúdio da opinião pública diante do valor bilionário, e isso pode levar o presidente a perder a imagem de austeridade, da falsa ideia que propaga “de que acabou a mamata acabou” para população.
Por outro lado, se ele investe contra o fundo, ele colhe torpedos do Centrão. “O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), já saiu com uma saraivada de impropérios contra Bolsonaro, por exemplo”.
O que deve acontecer, na interpretação do analista, é uma solução “espertinha”. “Antes, tínhamos um fundo eleitoral, que girava em torno de R$ 2 bilhões, esse valor foi aumentado, chegou a R$ 5,7 bilhões, agora ele vai diminuir para R$ 4 bilhões, o que na prática dobrou o fundo eleitoral, mas parece que não”.
Ainda sobre a questão da visão da opinião pública sobre o valor do fundo, Maringori acredita que tem um ambiente de negação e criminalização da política – até bem aproveitado por Bolsonaro – que acaba jogando “água no moinho da antipolítica, e a antipolítica conduz à criminalização, e no final há uma ideia de que a atividade politica não deveria ter gastos”.
O que na verdade tem que ter, segundo o especialista, uma vez que, se não tiver financiamento público, como mencionado anteriormente, tem que se ir para os bancos, para as grandes empresas, “e a gente sabe o que essa dinâmica resulta”, complementa.
© FOTO / ALAN SANTOS / AGÊNCIA BRASILPresidente Jair Bolsonaro durante passeio de moto. Ir a favor do valor do fundo eleitoral pode prejudicar a ideia de “popular e honesto” do presidente
Parlamentares vão ao STF contra fundo eleitoral
Ontem (20), um grupo de parlamentares, encabeçado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), anunciou que entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o aumento do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, segundo a Agência Senado.
Para os parlamentares, a aprovação do novo fundo ocorreu de forma irregular, pois não houve tempo razoável para deliberar sobre uma mudança tão significativa, além de acharem que o valor poderia ser investido em auxílio emergencial e “não desperdiçados em campanhas eleitorais”.
Indagado se concorda com o envio do mandado ao STF, Maringori diz que, no geral, não gosta muito dessas ações, pois além de não ver muita efetividade, enxerga tal ação mais como uma disputa política, que quer plateia para dizer que foi contra.
“Se o fundo aumenta, esses deputados também vão pegar esse fundo, ninguém vai renunciar esse fundo. E mesmo que renuncie, pela lei, você renuncia ao seu partido, o fundo continuar existindo e vai ser redistribuído pelos partidos. […] Eu realmente não sei se isso é produtivo, se a batalha vai ser levada a diante em uma situação que existem coisas mais sérias para resolver”, respondeu.
© FOTO / DORIVAN MARINHO/DIVULGAÇÃO/STFFachada do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, no Distrito Federal.
No domingo (18), um estudo desenvolvido pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) reuniu dados de 35 nações entre 2012 e 2020 e apontou que o Brasil é o país que mais envia dinheiro público para partidos e campanhas políticas. Juntas, as siglas brasileiras recebem, em média, US$ 446 milhões por ano (R$ 2,2 bilhões) de fundos eleitorais e partidários, conforme noticiado.