No 60º aniversário do Instituto da América Latina, a Sputnik Brasil conversou com seu diretor Dmitry Razumovsky sobre pesquisas dos assuntos brasileiros na Rússia e as perspectivas de uma maior cooperação Rússia-Brasil.
O Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia foi fundado 60 anos atrás, em 1961, pouco depois da Revolução Cubana de 1959.
Conforme o diretor da entidade, a União Soviética criou o instituto para tarefas puramente práticas, embora obviamente perseguisse também o objetivo de concretização de pesquisas fundamentais: a URSS necessitava melhorar a experiência da interação com os países da região latino-americana para promover seus próprios interesses geopolíticos e econômicos.
© SPUTNIK / NNIA ZOTINADiretor do Instituto da América Latina russo da RAN, Dmitry Razumovsky, em 2020
Instituto sem análogos no mundo
Criado com tal intenção na mira, o instituto abrange agora cerca de 50 pesquisadores e mantém uma ampla cooperação com os principais centros de pesquisa latino-americanos e europeus. Além do mais, aponta o diretor, a instituição interage estreitamente com organismos governamentais responsáveis pela tomada de decisões de política externa em relação aos países da região.
“Em nenhum outro lugar existe uma estrutura tão poderosa e unificada, ou [institutos] análogos no mundo. O instituto é formado de quatro centros principais para estudos da economia, política e cultura da América Latina, assim como um centro autônomo para os países ibéricos”, esclarece o diretor.
Dentro do instituto, e também no instituto russo MGIMO, há vários especialistas russos em política e economia do Brasil, que podem ser chamados de autoridades na matéria com reconhecimento internacional, tais como Ludmila Okuneva, Boris Martynov e Ludmila Simonova, entre outros.
© SPUTNIK / V. LAVRISCHEVChefe do departamento da Ciência, Cultura e Ensinamento de Cuba, Garcia Gallo, na sessão do Instituto da América Latina russo, agosto de 1973
Pesquisando em uma variedade de temas, entre os quais o desenvolvimento sustentável, inovação e desenvolvimento tecnológico e assuntos sociais, bem como a questão da criminalidade e da violência, por exemplo, o instituto se foca sobretudo nos maiores países da região.
O Brasil, sendo o maior país da América Latina, é um objeto prioritário para equipe da entidade, já que, de acordo com as palavras de seu diretor, ocorrem muitos processos importantes no Brasil que determinam a situação em toda a região e cuja experiência pode ser útil em outros países.
Assim, Razumovsky contou que o instituto analisou os sucessos das reformas econômicas neoliberais no Brasil nos anos 90 e, ao agregá-los, enviou muitas recomendações ao governo russo, que na época também estava realizando reformas dos mercados.
Ultimamente os pesquisadores se focaram nas razões da crise econômica brasileira na segunda metade da década de 20 e agora estão interessados nas raízes e na natureza das mudanças políticas globais no país que viabilizaram a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder.
Perspectivas de maior cooperação Rússia-Brasil
Quanto às relações Rússia-Brasil, o diretor do instituto aponta que os países “já têm uma rica experiência no uso de vários formatos de cooperação”. Entre eles estão “o exemplo brilhante” do BRICS e a interação no âmbito das estruturas da ONU.
Ao mesmo tempo, Razumovsky nomeia mais um potencial canal de “comunicação muito perspectivo” entre a Rússia e o Brasil como líderes de duas estruturas de integração – a União Econômica Asiática e o Mercosul, respectivamente.
Além do mais, o especialista vê perspectivas para um maior desenvolvimento da cooperação entre os dois grandes países com economias complexas e diversificadas, apesar das dificuldades que enfrenta o comércio mútuo devido a restrições tarifárias e não tarifárias.
“Ao longo dos anos 2000, nossa interação cresceu, mas se tornou muito mais complexa. Hoje, ambos os países não se encontram nas melhores condições econômicas, e isso inevitavelmente leva a uma recessão localizada na interação econômica.”
Porém, Razumovsky acredita que essas dificuldades são temporárias. Na opinião do diretor, as principais perspectivas nas relações russo-brasileiras estão relacionadas à cooperação tecnológica, já que há exemplos de cooperação bem-sucedida na indústria aeronáutica: o diretor relembra a ajuda dos engenheiros russos no desenvolvimento da futura geração de aeronaves da Embraer.
© FOLHAPRESS / LUCAS LACAZ RUIZFábrica da Embraer em São José dos Campos, interior de São Paulo.
Adicionalmente, segundo Rasumovsky, há perspectivas para cooperação em esferas tais como o espaço, transporte, indústria energética e nuclear.
Outro tema muito promissor é o das TI, acredita ele. “O Brasil está passando por uma revolução digital definitiva, mostrando taxas de crescimento muito altas e um enorme potencial de lucro para os que participam desses projetos”, afirmou.
A razão principal para a possibilidade de tal cooperação é que a Rússia se esforça em construir relações pragmáticas sem viés ideológico, apesar de muitos estarem convencidos do contrário.
“Estou seguro de que a abordagem de nossos diplomatas nos permite construir relações mutuamente benéficas com qualquer elite brasileira, de qualquer espectro político”, expressa o diretor da instituição, nomeando, por isso, Jair Bolsonaro – político de direita – como “um parceiro interessante e promissor, apesar de ele ter uma postura totalmente diferente da dos governos de esquerda”.
O presidente Bolsonaro, conforme ele, também demonstra um “interesse sincero” no fortalecimento de laços econômicos com o Estado russo e na atração de investimentos e tecnologias.
Pandemia muda relações russo-brasileiras?
Por incrível que pareça à primeira vista, a pandemia não dificultou significativamente a cooperação entre os dois países, afirma Razumovsky. Mesmo que a densidade de contatos humanos tenha diminuído, o comércio continua.
© AP PHOTO / ERALDO PERESJair Bolsonaro e Vladimir Putin se encontram durante a cúpula do BRICS, em Brasília.
Além do mais, no caso do Brasil surgiram novas áreas de cooperação antes inexistentes, especificamente, as relacionadas às vacinas.
O diretor aponta que o Brasil vai se converter em uma das bases de produção do imunizante russo Sputnik V. Ele reconhece, porém, que houve problemas com a autorização da vacina pela Anvisa, mas, de seu ponto de vista, existem mais dificuldades técnicas do que políticas.
“Surgirão parcerias que seguramente manterão o ritmo da cooperação após a pandemia”, concluiu ele, expressando a esperança de que a esfera médica permaneça na agenda de cooperação entre os dois países.