O chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, em entrevista à Sputnik revelou a pressão exercida pelos EUA sobre o Brasil na questão da Sputnik V, respondeu a perguntas sobre o sistema alternativo ao SWIFT, comentou as tensões entre a Rússia e República Tcheca, as relações de Moscou com a União Europeia e a situação em Donbass.
Em entrevista à Sputnik, Sergei Lavrov abordou diferentes assuntos da política externa da Rússia.
Sputnik V no Brasil
Comentando o fato de os EUA terem confirmado que estão fazendo esforços em relação ao Brasil para este rejeitar a vacina russa Sputnik V, o chanceler russo disse que não está surpreendido.
vez que não estamos entrando em isolamento, em completa autonomia. Queremos fazer parte da comunidade internacional, mas parte de uma comunidade que seja justa e democrática”, disse ele.
Por isso é importante ter alternativas em termos de sistemas de pagamento e de transmissão de mensagens financeiras, destacou Lavrov. O ministro revelou que a base desse sistema já foi criada.
“[O sistema] já está criado, espero que ele seja reforçado e que, se de repente, apesar de nosso desejo de cooperar com todos, formos discriminados e vierem a abusar da atual posição do Ocidente no sistema econômico e monetário internacional, então nessa situação não temos o direito de depender de ninguém”, disse o chanceler da Rússia.
Tensões entre Rússia e República Tcheca
Respondendo ao pedido de comentar as ações recentes da República Tcheca, o chanceler russo afirmou que não entende o objetivo do país. Lavrov chamou toda a situação que está passando em torno das explosões em um armazém de munições na República Tcheca em 2014 de “esquizofrenia”.
“Não posso especular sobre isso porque não entendo, intelectualmente não entendo o que eles queriam. […] Quando o presidente Zeman diz que é preciso investigar, ele não nega a possibilidade de que tenha sido sabotagem por alguns agentes estrangeiros. Mas ele também sugere ter em conta a versão que foi expressa pela liderança tcheca, incluindo o atual primeiro-ministro Babis, quando foi dito em 2014 que foi um comportamento negligente por parte dos proprietários desse armazém. Ora, o presidente Zeman propôs apenas levar em conta essa versão, que nunca foi refutada em todos estes sete anos. Agora ele está sendo acusado de traição à pátria. O presidente do Parlamento disse que, ao falar que todas as versões deveriam ser investigadas, o presidente Zeman revelou segredos de Estado. Isso não é esquizofrenia? Na minha opinião, não passa disso”, afirmou Lavrov.
Lavrov disse que é preciso esclarecer o que, afinal de contas, estava naquele armazém. A mídia alemã escreveu que no local havia minas antipessoal, proibidas pelo Tratado de Otawa, que foi assinado por muitos países, inclusive pela República Tcheca e pela Bulgária, segundo o ministro russo.
Relações entre Rússia e União Europeia
“No que diz respeito às relações entre a Rússia e a Europa, penso que, como antes, os britânicos desempenham um papel ativo, muito sério e subversivo. Eles deixaram a União Europeia, mas sua atividade a este respeito não está diminuindo. Pelo contrário, eles estão tentando ao máximo influenciar as posições que os membros da UE tomarão em relação a Moscou”, afirmou Lavrov.
Quando ocorreu o acidente do Boeing MH17 da companhia aérea Malaysia Airlines em 2014, segundo o ministro russo, apenas um grupinho de quatro países se reuniu para investigar o assunto (Países Baixos, Bélgica, Áustria e Ucrânia). Não convidaram a Malásia, a quem pertencia o avião que caiu. A Ucrânia, em cujo território ocorreu a catástrofe, teve direito de veto, enquanto a Malásia foi convidada apenas seis meses depois, disse Lavrov.
“A propósito, as caixas pretas que as milícias entregaram aos malaios, foram analisadas em Londres e, até o momento, não me lembro de eles terem informado sobre o conteúdo que foi encontrado lá”, disse Lavrov.
O Reino Unido continua seguindo uma linha antirrussa, afirmou o ministro.
“Recentemente seu chefe do Mi-6, o serviço de inteligência exterior, declarou que a Rússia é uma potência em declínio, você tem que ficar de olho nela, porque nesse estado ela pode fazer alguns movimentos bruscos. É uma arrogância congênita e uma crença congênita de que você ainda domina o mundo”, afirmou Lavrov.
O ministro das Relações Exteriores russo falou ainda do caso Skripal, dizendo que, até hoje, ninguém sabe por que pai e filha sobreviveram e o policial que trabalhou com eles não teve sintomas nenhuns. Quanto ao opositor Aleksei Navalny, Lavrov disse que ninguém foi afetado nem no avião, nem no hospital de Omsk, nem ninguém com quem ele falou. Também nada foi encontrado na clínica Charité, só foi encontrado no hospital da Bundeswehr.
“Recentemente, em conexão com nossos exercícios no sul e oeste, a senhora ministra da Defesa da Alemanha nos exigiu transparência sobre o que estamos fazendo, para não esconder nada. Primeiro de tudo, não estávamos escondendo nada, anunciamos esses exercícios, mas a Bundeswehr, a quem pertence o hospital onde teria sido descoberto o alegado envenenamento de Navalny, está realmente escondendo algo, porque se recusaram a nos fornecer os resultados das análises e amostras de biomateriais”, disse Lavrov.
Comentando que a Alemanha não apoiou as ações tchecas, Lavrov afirmou que leu a declaração do ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas.
“Acredito que é uma declaração de um político responsável. Nem sempre o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha tomou uma posição tão equilibrada, uma posição clarividente quanto ao futuro”, de acordo com Lavrov. “O que Heiko Maas disse há uns dias […] sublinha a necessidade de dialogarmos e de buscarmos algum tipo de acordo comum, já que vivemos juntos.”
Situação em Donbass
Ao ser questionado se pode ocorrer uma guerra na região de Donbass, o chanceler russo declarou que a guerra pode ser evitada se isso depender do lado russo e das forças locais, mas que ele não pode falar por Vladimir Zelensky, presidente da Ucrânia, porque o objetivo principal dele é permanecer no poder e, por esse poder, ele está pronto a pagar qualquer preço.
“Eles [as milícias de Donbass] não têm nenhum desejo – sabemos isso firmemente – de entrar em guerra com os representantes do regime de Kiev. Tenho dito repetidamente a nossos colegas ocidentais, que são absolutamente tendenciosos em sua avaliação do que está acontecendo e defendem imprudentemente as ações de Kiev, que existe um quadro objetivo […] que nossos jornalistas e correspondentes militares que trabalham lá mostram de forma regular”, disse Lavrov.
“Se falarmos dos últimos eventos, quando abertamente anunciamos exercícios dos Distritos Militares do Sul e Ocidental da Rússia, não escondendo nada, no nosso território durante 2 semanas, você lembra a gritaria que fizeram, de que a Rússia estava enviando tropas para a fronteira com a Ucrânia. Veja as palavras usadas. Nós falamos: exercícios nos Distritos do Sul e Ocidental. Já eles falaram que a Rússia enviou soldados para a fronteira com a Ucrânia. Depois que os exercícios terminaram e nós anunciamos isso, começaram a ecoar no Ocidente afirmações de regozijo do tipo: ‘Olha, a Rússia teve que ceder, a Rússia recuou’. Sabe, há uma expressão chamada profecia autorrealizada, mas isto é ‘wishful thinking’, apresentar o desejado como algo que já existe. A propósito, é quase a mesma situação que a do G7,- quando cada vez que se encontram dizem: ‘Não pediremos à Rússia que se junte ao G7 novamente’. Pelo amor de Deus, já dissemos muitas vezes que nunca mais iremos para lá. Não haverá mais esse G8, isso é coisa do passado”, disse Lavrov.
“Mas o tema do que está sendo feito quanto à regularização na Ucrânia foi discutido entre [o presidente da Rússia, Vladimir] Putin e [a chanceler alemã, Angela] Merkel. No outro dia, o presidente Putin falou sobre isso com o presidente [da França, Emmanuel] Macron, a questão também foi abordada na recente conversa com [Joe] Biden. A situação, do meu ponto de vista, é muito simples. Aqueles que patrocinam [Vladimir] Zelensky e sua equipe, categoricamente não querem forçá-lo a cumprir os Acordos de Minsk […] O presidente Putin declarou claramente que nunca deixaremos à sua sorte aqueles que vivem em Donbass, aqueles que resistem a um regime neonazista abertamente radical”, segundo o ministro russo.