Ministério da Justiça de Flávio Dino mantém relatórios sobre manifestações de junho de 2013 em sigilo por prazo indeterminado, mantendo entendimento do governo Bolsonaro. A Sputnik Brasil conversou com especialista para saber se a decisão é legal e o que o governo está tentando guardar longe dos olhos do público.
Nesta segunda-feira (26), o Ministério da Justiça manteve o sigilo de 13 relatórios produzidos por agências de inteligência brasileiras sobre as manifestações de junho de 2013, que levaram à derrubada da presidente Dilma Rousseff.
A negativa veio após pedido de acesso realizado pelo jornal Folha de São Paulo, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). De acordo com a lei brasileira, a autoridade que produz o documento estabelece o seu prazo de sigilo, com limite máximo de 25 anos para documentos ultrassecretos. Os relatórios em questão foram considerados reservados, com sigilo de cinco anos.
À exceção dos 13 relatórios mantidos em sigilo, os demais documentos produzidos neste período foram disponibilizados no site do ministério. A pasta chefiada pelo ministro Flávio Dino, no entanto, argumentou que esse lote restante será mantido secreto por período indefinido, por tratar de atividades da inteligência brasileira.
Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública (à direita), discursa durante evento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Brasília (DF), 9 de dezembro de 2022
De acordo com o cofundador e coordenador de advocacy da Fiquem Sabendo, ONG especializada na Lei de Acesso à Informação, Bruno Morassutti, a decisão do Ministério da Justiça vai na contramão do esforço por mais transparência da atividade pública.
“O governo utiliza de forma equivocada e inconstitucional a lei do serviço de inteligência para colocar sob sigilo eterno informações relacionadas à ABIN e ao sistema de inteligência federal”, disse Morassutti à Sputnik Brasil.
Órgãos de segurança, como a ABIN e as Forças Armadas, regularmente alegam a segurança dos seus agentes como motivo para manter documentos em sigilo por tempo indeterminado. No entanto, as resoluções internas desses órgãos não deveriam se sobrepor às normas da LAI, uma lei hierarquicamente superior.
Segundo Morassutti, a decisão da pasta de Dino indica que o governo Lula mantém interpretações sobre o sigilo de documentos públicos herdadas do governo Bolsonaro.
“Em certos casos, em particular casos mais sensíveis, que seriam estratégicos e importantes para o fortalecimento das instituições, o governo ainda mantém reticências ou referenda entendimentos do governo anterior, talvez por ainda não ter se apropriado da questão”, considerou Morassutti.
O governo Lula tem autoridade para retirar sigilos impostos por administrações anteriores. O ato administrativo que retirou esses documentos do escrutínio público pode ser revisto tanto pelo órgão competente, quanto por autoridade hierarquicamente superior.
Lula da Silva e Jair Bolsonaro participam do debate presidencial promovido pela TV Bandeirantes. São Paulo, 16 de outubro de 2022.
Por outro lado, o cofundador da Fiquem Sabendo reconhece que avanços foram feitos durante o governo do petista, que demonstra maior disposição em debater a transparência dos atos públicos com a sociedade civil.
“O governo avançou em algumas questões relacionadas à segurança pública, isso é inegável, percebemos uma abertura maior para discutir questões e um discurso da Presidência da República mais favorável à transparência dos órgãos públicos”, concedeu Morasuttil.
Após esse revés, no entanto, o governo deveria ser mais rígido quanto à aplicação dos temos da LAI, impedindo a manutenção de sigilos indevidos.
O símbolo da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em foto de arquivo
“É importante que o governo sinalize uma mudança positiva na lei de acesso à informação, […] adotando a transparência como regra. O governo deve impedir sigilos eternos ou sem prazo determinado, por quaisquer motivos – seja relacionado a atividades de inteligência, seja por atividades comerciais e concorrenciais de empresas estatais”, concluiu o cofundador da ONG Fiquem Sabendo.