Parlamentares querem novas punições em casos de estupro

Criminalista comenta propostas

Depois de o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra ter sido preso por estuprar uma paciente no momento do parto, enquanto ela estava anestesiada, no Rio de Janeiro, ao menos três parlamentares apresentaram novas propostas com novas punições para o crime de estupro no Congresso Nacional.

Na quarta-feira 13, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) protocolou o Projeto de Lei (PL) 2002/2022, que prevê o uso da captação ambiental, sem prévio conhecimento da autoridade policial ou Ministério Público (MP), como prova em favor da vítima.

O PL altera o parágrafo 4 da Lei 9296/96 do Pacote Anticrime, que atualmente prevê o uso de gravação de diálogo somente em matéria de defesa do bandido, e não da vítima. “A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do MP poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação”, informa a lei.

Outra proposta foi a da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que altera dois artigos do Código Penal: 217-A e 226 da Lei 2.848/1940. O projeto, também proposto na quarta-feira 13, prevê o aumento de pena para o crime contra a dignidade sexual cometido por médico ou qualquer outro profissional da área de saúde no exercício de sua atividade. Além disso, dispõe a configuração de estupro de vulnerável a prática de abuso sexual em pacientes que estão em atendimento médico, clínico ou hospitalar.

Já o PL 5112/202 foi proposto anteriormente pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF), mas ganhou força na Câmara na esteira do estupro cometido pelo médico no Rio de Janeiro. O projeto prevê a castração química para estupradores. Contudo, não obriga o criminoso a se submeter ao procedimento, mas o oferece como uma opção para o estuprador obter a progressão de pena.

O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça. A castração química, segundo a deputada, é adotada por países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Inglaterra e França. O procedimento consiste na aplicação de hormônios que inibem o impulso e a capacidade sexual dos criminosos.

Ao longo dos anos, muitos parlamentares defenderam a ideia. O primeiro projeto a tramitar na Câmara Federal sobre o assunto era de autoria do presidente Jair Bolsonaro, então deputado. Atualmente, projetos da deputada Bia Kicis (PL-DF) e do senador Eduardo Girão (PL-CE) prevendo a castração química estão tramitando.

Em entrevista à Rádio Jovem Pan, na quarta-feira 13, a parlamentar disse que esse é um excelente momento para colocar em pauta a castração química. “Agora haverá um clamor social para isso”, declarou. “Tenho certeza de que o PL será aprovado. Quem vai defender um caso como esse? Esse não tem desculpa.”

Castração química

De acordo com Leonardo Pantaleão, advogado criminalista, todas as vezes que acontecem atitudes dignas de repúdio em nossa sociedade, vide o crime do médico estuprador, é comum que o Poder Legislativo, com o intuito de acalmar a população, deseje alterar as leis já existentes. Trata-se do Direito Penal de emergência, que surge em momentos de indignação coletiva.

Há mais de dez anos existe uma discussão acerca da castração química. Muitos tratam o assunto como algo inconstitucional. Ou seja, que fere a Constituição brasileira. Outros apoiam a ideia de punição sem pestanejar. Nos EUA, alguns Estados adotam o procedimento como forma de punição para pedófilos. É o caso do Alabama, Flórida, Geórgia, Iowa, Louisiana, Montana, Oregon, Texas, Califórnia e Wisconsin.

De acordo com Pantaleão, a questão a ser discutida no Brasil é se a castração química é compatível com nosso sistema penal. “Não se pode considerar a castração química como uma medida compatível com a nossa Constituição”, afirmou o advogado. “O procedimento fere o princípio da proporcionalidade e da dignidade humana.”

Segundo o advogado, para entender esse princípio é necessário compreender que a castração para estupradores é uma punição drástica para o criminoso, em relação a outros crimes, tão graves ou piores, praticados por outras pessoas, como o homicídio. “Não estou amenizando o crime de estupro. É abominável e isso não se discute”, observou. “O bem maior que uma pessoa tem é a vida. Se alguém pratica o crime de homicídio qualificado não tem uma pena tão drástica em relação a que é sugerida aos autores de crimes sexuais.”

Portanto, caso a pena de morte fosse aprovada no Brasil, ao menos o princípio de proporcionalidade deixaria de ser ferido. Entretanto, Pantaleão discorre que aprovar tais medidas seria uma grande regressão ao sistema penal brasileiro.

O artigo 1 da Constituição Federal prevê o principio da dignidade da pessoa. A dignidade é um fundamento da República, impedindo a exploração do homem pelo homem. “A dignidade é intrínseca ao ser humano. Portanto, não pode contar com o beneplácito do Poder Judiciário.”

O criminalista reafirma que não deseja compensar dignidades. O estuprador deve pagar pelo seu crime, mas o Estado não pode pagar com a mesma moeda. “Não há uma compatibilidade dessa punição com a Constituição. Para aprovar algo assim, precisa mudar a nossa Constituição.” Pantaleão também disse que projetos como o da parlamentar Bia Kicis transformam o Direito Penal em um instrumento de vingança, o que não é.

Vídeos como provas

O criminalista disse que o texto que o Capitão Augusto deseja alterar não trata de captação de imagens. O artigo 8 A do Pacote Anticrime trata apenas de captação ambiental feita por um dos interlocutores. “Não tem nada a ver com captação de imagem, mas de interlocução”, afirmou Pantaleão. “A primícia básica dessa lei é uma conversa, e não há isso nas imagens captadas pelas enfermeiras.”

No caso do médico estuprador, as imagens feitas pela equipe médica não eram de uma conversa, ou seja, não havia ninguém fazendo interlocução. A justificativa do parlamentar é que os vídeos sejam usados como prova para prender o criminoso. Contudo, as imagens já foram usadas como prova pela polícia, por isso, o estuprador foi preso e teve a prisão em flagrante convertida em preventiva. “Não devemos procurar onde está permitido, mas onde está proibido”, disse Pantaleão. “A prova que não é proibida é permitida.”

Para o advogado, o artigo em questão que o deputado deseja alterar é inconstitucional, e ele acha válido um PL, como o que foi proposto, que altere essa paridade, em que tanto vítima quanto acusação usem as provas. Entretanto, isso não cabe no caso do médico estuprador. “O parlamentar correu em um erro de interpretação, pois seria válido nesse caso se houvesse algum áudio do médico confessando os crimes.”

O projeto da deputada, contudo, prevê o aumento do rigor dos crimes. Trata-se da criação do parágrafo 6° no 217-A e do 5° no 226. Para Pantaleão, a adição do 217-A não é necessária, pois a parlamentar deseja que o médico também responda por estupro de vulnerável. Contudo, a legislação já cobre essa questão no parágrafo 1°, tanto que o estuprador do RJ vai responder criminalmente por estupro de vulnerável.

Já a proposta do artigo 226, de acordo com o advogado, se faz necessária. Pois o PL prevê aumento de pena (metade até dois terços) se o crime for cometido por qualquer profissional da saúde em exercício.

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