Se em 2018 a Justiça teve papel central nas eleições, os candidatos à presidência em 2022 devem se preocupar com processos e ações? A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender o que mudou depois de quatro anos.Em 2018, era muito presente o viés anticorrupção nos discursos dos presidenciáveis. Nem todas as eleições seguem a mesma lógica, mas há temas que permanecem no debate público.
Na última terça-feira (22), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o ex-procurador Deltan Dallagnol indenizasse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por danos morais no conhecido caso do PowerPoint.A corte fixou a compensação em R$ 75 mil, com juros e correção monetária. Assim, segundo o ministro relator, Luís Felipe Salomão, o valor total a ser pago pelo ex-procurador da República deve superar a casa dos R$ 100 mil.
Dallagnol é pré-candidato a deputado federal pelo Podemos, e Lula lidera as pesquisas à presidência para o pleito deste ano.Há quatro anos, as decisões judiciais na esteira da Lava Jato tiveram grande impacto no processo eleitoral. A principal delas foi a inelegibilidade de Lula confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) um mês antes do primeiro turno.
O petista estava preso à época, mas sua defesa alegava jurisprudência para que ele pudesse concorrer. Mais tarde, em junho de 2021, o STF reconheceu a parcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro (Podemos) — também candidato ao Planalto neste ano pelo mesmo partido de Dallagnol — nos processos que haviam condenado Lula.
Também nesta terça-feira (22), o Ministério Público Federal em Brasília entrou com ação de improbidade administrativa contra o presidente Jair Bolsonaro e Walderice Santos da Conceição, conhecida como “Wal do Açaí”, registrada como sua secretária parlamentar na Câmara dos Deputados até 2018.
O MP aponta que Bolsonaro tinha pleno conhecimento de que Walderice não prestava os serviços correspondentes ao cargo, mas, mesmo assim, atestou sua frequência ao trabalho em seu antigo gabinete.
Eventuais decisões judiciais nos próximos meses poderão ter efeitos na corrida eleitoral deste ano ou pesar na escolha dos cidadãos? As recentes vitórias de Lula na Justiça invertem o cenário e o deixam em vantagem na disputa contra Bolsonaro? Qual será a força do “lavajatismo” na retórica dos candidatos?
Para Isabel Mota, advogada especialista em direito eleitoral pela Universidade Federal do Ceará (UFC), os tribunais devem continuar interferindo nas eleições brasileiras.
“De lá para cá, aprendemos muita coisa, principalmente sobre ‘judicialização’ da política, e talvez resida aí a grande distinção no aprendizado que tivemos de como o Poder Judiciário pode ser protagonista nas eleições. Com certeza estaremos mais atentos a isso”, afirmou.
Em sua avaliação, os desfechos positivos de Lula na Justiça não o deixam automaticamente em vantagem na corrida presidencial.
Segundo ela, o tema será explorado por ambos os lados: tanto pelo ex-presidente, “tentando demonstrar que teria sido vitima de injustiça“, como pelos opositores, que poderiam alegar que suas conquistas não teriam significado “uma declaração de inocência, mas uma tecnicalidade“.
Já o advogado Antonio Carlos de Freitas Junior, especialista em direito constitucional, não acredita que decisões judiciais causem o mesmo impacto no cenário político.
Ele não desconsidera que, neste ano, o debate sobre ética, comportamento e honestidade será intenso, mas aponta que, devido ao contexto econômico brasileiro, as pautas estarão centradas em questões de soluções do país.
O especialista entende que as discussões partirão da polarização ideológica entre Lula e Bolsonaro, “também com tons judiciais”, mas com um antagonismo entre “direita e esquerda e conservadorismo e progressismo”.
Freitas Junior avalia que as anulações das condenações do petista dão corpo a seu “discurso de injustiçado” e de “vítima de uma orquestração jurídico-política”.
“Não diria que é uma vantagem, mas que ele tem um discurso mais sólido para participar do processo eleitoral com competitividade. Há muito debate e muita água para rolar”, indicou.
‘Lavajatismo’ sem força?
Segundo a advogada Isabel Mota, “o que se cunhou como ‘lavajatismo’ vem perdendo força”, embora a “judicialização” permaneça.”Não acho isso algo negativo. A Operação Lava Jato, como uma grande operação a se contrapor à corrupção no país, muitas vezes pecou por excessos”, disse.Ela afirma que o movimento “lavajatista” dificultou o exercício regular do direito de defesa, enfraqueceu a Constituição Federal e criou um ambiente propício para a adoção de medidas punitivas antes de uma investigação aprofundada.
“O Estado brasileiro é incompatível com excessos. Talvez agora, enfim, o STF, em boa hora, venha percebendo esses excessos e mitigando seus efeitos, para que sejam consideradas efetivamente as provas válidas e o exercício de direito de defesa seja garantido, punindo ou condenando apenas quem realmente tiver a culpa demonstrada”, apontou.
O advogado Antonio Carlos de Freitas Junior também identifica o enfraquecimento do “lavajastismo”. Porém ele alerta que, embora o sistema judiciário tenha reduzido o “punitivismo” radical, o “garantismo” também vem perdendo força.
“Hoje o STF vem retomando a linha ‘punitivista’, com a decisão pela legalidade da prorrogação de interceptações telefônicas, desde que justificadas, ou até mesmo com a não decretação da revogação automática de prisão cautelar quando após 90 dias. Esta é uma tendência ‘punitivista’, um retorno do ‘punitivismo’, mas ainda com uma prevalência de ‘garantismo’ pós-Lava Jato”, opinou.