A invasão da Ucrânia pela Rússia fez com que a União Europeia e os Estados Unidos respondessem com uma série de sanções econômicas. Entre as ações está a retirada da Rússia do Swift, um sistema de pagamento que permite a realização de transferências de recursos entre bancos ao redor do mundo.
Os efeitos dessas medidas a longo prazo ainda são desconhecidos. Contudo, um deles já é bem visível: o aumento do preço do barril do petróleo e problemas no fornecimento de energia no mundo.
As sanções devem impactar o Brasil. Oeste conversou com Adriano Pires, um dos maiores especialistas em energia do Brasil e atual diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. A seguir, os principais trechos da entrevista:
1 — As sanções econômicas da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos vão ter grande impacto contra a Rússia?
Já observamos os efeitos imediatos. O rublo [moeda russa] está valendo quase nada em relação ao dólar, há dificuldades no comércio internacional, problemas para movimentar ativos no Ocidente e a oligarquia russa foi prejudicada financeiramente. Espera-se os efeitos dessas medidas a longo prazo. As possíveis consequências maiores virão adiante. Há países que sobrevivem a sanções econômicas, como Coreira do Norte, Cuba e Venezuela. Penso que essas sanções não são suficientes para terminar a guerra, mas, sim, a diplomacia.
“A UE ficou refém das fontes renováveis em virtude de discursos ambientalistas que demonizam fontes de energia que hoje fazem falta para ela”
2 — Quais alternativas a UE têm para comercializar petróleo e gás em virtude das tensões com a Rússia?
No curto prazo, a dependência da UE vai se manter porque não se faz uma transição energética do dia para a noite. Hoje, a UE importa da Rússia cerca de 40% de gás natural, aproximadamente 30% de petróleo e 30% de carvão. A Europa foi incompetente em não diversificar a sua matriz energética, além de expandir seus parceiros econômicos. A UE ficou refém das fontes renováveis em virtude de discursos ambientalistas que demonizam fontes de energia que hoje fazem falta para ela. Neste momento, a UE já deve estar discutindo outras estratégias para a sua energia, como usinas nucleares e empresas de carvão, porque uma das sanções que a Rússia pode impôr é fechar a torneira do gás. Em um primeiro momento, falou-se em levar gás dos Estados Unidos para a Europa, mas isso leva tempo porque o gasoduto tem de ser construído.
3 — As sanções econômicas podem levar à recessão global?
Já estão levando e podem levar ainda mais, porém depende da duração da guerra. As sanções estão fazendo a inflação crescer no mundo inteiro. Em consequência, os bancos centrais vão aumentar os juros, o que pode prejudicar a retomada econômica que tanto esperávamos para o pós-covid-19. A energia e o combustível vão ficar mais caros em razão da demanda. Trata-se de um cenário parecido com o segundo choque do petróleo em 1979. Consequência da revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini, a paralisação da produção iraniana elevou o preço médio do barril ao equivalente a US$ 80 atuais. Os preços permaneceram altos até 1986, quando voltaram a cair.
4 — Em um cenário de aumento do petróleo, o que a Petrobras deve fazer?
A Petrobras já deveria ter aumentado o preço da gasolina, do diesel e do botijão de gás. Faz 53 dias que isso não ocorre. Em linhas gerais, a companhia está segurando os preços, e isso é ruim, pois já vimos o que ocorre quando a Petrobras decide não repassar os preços para o consumidor. Não podemos cair na tentação de voltar a interferir nos preços da Petrobras, endividando a empresa e afastando investidores. Se o governo brasileiro avalia que não dá para transferir a volatilidade dos preços com rapidez, então, compete ao Poder Executivo delinear políticas de assistência à população.
5 — Quais políticas o senhor se refere?
Uma delas é um fundo para a estabilização de preços como meio de evitar que a volatilidade do mercado internacional impacte no doméstico. Quando o petróleo estiver alto, o fundo daria a Petrobras e importadores o dinheiro para cobrir a diferença entre o mercado internacional e o preço que está sendo cobrado na bomba. Quando o preço cair, esse dinheiro é usado para capitalizar o fundo, já que a volatilidade do petróleo é para cima e para baixo. Outro mecanismo é não deixar aumentar a tarifa de transporte urbano, ampliar os beneficiários do auxílio-gás e discutir a questão tributária. O Brasil precisa urgentemente de uma reforma tributária. O setor energético está com o imposto alto demais.