Especialista: Brasil tem capacidade para ser potência na era do ‘Pós-Guerra Fria Tardia’

Com o crescimento da multipolaridade favorecendo o surgimento de novos atores, o Brasil se destaca como um país que reúne todas as capacidades para se tornar uma potência econômica, avalia especialista entrevistado pela Sputnik Brasil.

Em recente artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, o especialista em relações internacionais Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), explicou o conceito de “Pós-Guerra Fria Tardia”, etapa da geopolítica na qual a supremacia norte-americana seria superada pela nova realidade dos Estados Unidos: o seu declínio na conjuntura global.

Segundo o pesquisador, o medo de uma Rússia forte sob o ponto de vista nacional e sob uma liderança igualmente forte causa preocupação em Washington. Nas últimas décadas, a Rússia recuperou-se econômica, social e militarmente, voltando a despontar como potência e agindo em cooperação com outra potência antissistêmica, a China. E em nenhum dos dois casos houve uma “transição para o capitalismo liberal-ocidental”.

“Países antissistêmicos como a Rússia e a China, que têm projetos nacionais próprios, são o verdadeiro problema por trás da retórica beligerante de Washington, tanto de democratas como de republicanos, contra Pequim e Moscou”, escreve.

Nestes novos tempos, em que não se “aceita mais que uma nação determine a agenda mundial”, a possibilidade de novos atores surgirem é grande, segundo Pennaforte. E o Brasil, que sempre teve grande relevância, dentro de suas capacidades, tem tudo para retornar “ao seu lugar de destaque”.

“O Brasil tem toda a capacidade de se tornar uma potência econômica, pois tem capital humano e territorial e recursos naturais. O único obstáculo é a falta de um projeto para isso, já que as elites brasileiras preferem o exterior ao próprio país. Mas, sem dúvida, temos todas as condições de ocupar uma posição de destaque”, afirma o professor em declarações à Sputnik Brasil.

Ao longo do século XX, destaca o analista, os EUA conseguiram moldar grande parte do mundo aos seus interesses, fosse por meios econômicos ou militares. Na América Latina, por exemplo, “praticamente toda a região foi vítima das ditaduras patrocinadas por Washington, com torturas, mortes etc.”. Mas este mundo do século XXI já estava se desenvolvendo no fim do século passado, quando “surgiram economias mais dinâmicas, que demonstravam que o capitalismo estava em uma nova fase”.

Uma dessas economias é a China, principal parceira do Brasil na atualidade.

“No que tange às parcerias, o Brasil já tem a China como sua grande parceira econômica e a Rússia em alguns segmentos. A tendência é o seu aumento no longo prazo, principalmente com a volta de maior protagonismo do Brasil no BRICS.”

O BRICS, na opinião do especialista, foi uma das grandes obras de engenharia geopolítica do século XXI. A despeito das grandes assimetrias entre os seus membros — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, Pennaforte avalia que, com o passar do tempo, as “engrenagens” do grupo começarão a funcionar de maneira mais dinâmica. E a criação do Novo Banco de Desenvolvimento foi um grande passo nessa direção.

“Sem a necessidade de recorrer às tradicionais instituições de fomento do Ocidente (FMI, BID, Banco Mundial), os países poderão se beneficiar de condições mais justas para os empréstimos, retirando a primazia do Ocidente nesse setor. Isso é um exemplo muito significativo”, explica.

Se o mundo multipolar favorece o Brasil, o país também precisa fazer sua parte, já que “ser reconhecido como uma ‘potência’ envolve, primeiramente, a resolução de seus problemas internos”.

“Como ser uma ‘potência’ com níveis de miséria elevados? Ou não possuir um sistema de investimentos em pesquisas dinâmico? Temos condições invejáveis para fazer isso”, argumenta o professor. “Com crescimento econômico, diminuição da miséria e práticas diplomáticas civilizadas, certamente o Brasil demonstrará sua força no cenário internacional. E, ao lado disso, mais dinamismo nas áreas tecnológicas, para começarmos a competir em segmentos que dão mais retorno do que exportar soja ou café, por exemplo.”

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