Na semana passada, a direção do jornal Folha de S. Paulo tomou um susto. Um grupo de jornalistas recém-saídos da universidade — alguns, inclusive, contratados durante a pandemia para trabalhar em regime home office — decidiu se organizar para protestar contra a publicação de um artigo de opinião do antropólogo Antonio Risério, intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”.
Foi elaborada uma carta, redigida por redatores das novas editorias de diversidade, interação e novas mídias. O texto rodou grupos de WhatsApp e alguém chegou à conclusão que deveria ser assinado por todos os jornalistas da casa. Mais de 200 toparam, criando, inclusive, a figura do signatário oculto — sim, duas dezenas concordaram com a ideia, mas não quiseram ter seus nomes expostos por ocuparem cargos de chefia.
O abaixo-assinado vazou para veículos concorrentes e chegou à Secretaria de Redação — como é chamada a cúpula do jornal —, que respondeu prontamente nas próprias páginas com uma publicação na qual rechaçou a acusação de explorar conteúdos racistas em busca de audiência. O caso também foi tratado pela coluna do ombudsman.
Para quem imaginava que o rastilho de pólvora já havia percorrido seu caminho, a coisa ainda foi adiante. Os jornalistas decidiram fazer uma assembleia para exigir a demissão do diretor de Redação, Sérgio Dávila. Ou seja, os funcionários exigiram se sentar para negociar com o chefe sua própria permanência no posto. Na última hora, acabaram recuando, porque o jornal prometeu dar ainda mais espaço para a visão deles dali em diante
A exigência da demissão foi uma reação à resposta de Dávila ao levante nos dias anteriores. Ele dissera que a carta era parcial, equivocada e sem fundamentos. Lembrara que boa parte dos missivistas só estava ali justamente porque a Folha decidiu criar novas editorias e lhes dar emprego. A escritora Marilene Felinto usou sua coluna na própria Folha para reclamar que o jornal perdeu o bonde da História e precisava de negros na direção. Outros articulistas se posicionaram a favor dos jovens rebeldes.
Como há quase dois anos raríssimos jornalistas comparecem com regularidade à Alameda Barão de Limeira, sede do jornal, por causa da pandemia, não se sabe ainda o desfecho do caso. Mas os rebeldes fizeram circular a informação de que Dávila saiu do episódio fragilizado e que isso foi só o começo. George Orwell não viveu para narrar a Revolução dos Bichos em curso na Folha.