Ao fazer um balanço de fim de ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a privatização dos Correios é prioridade para o governo em 2022. Mas, afinal, o que propõe o projeto que tramita no Congresso Nacional? Como será o modelo de desestatização? O que muda de fato para o consumidor final?
Maior operador logístico do Brasil, os Correios alcançam todos os municípios brasileiros e são a maior estatal de controle direto da União. Em agosto, tinha 90 mil funcionários. O projeto abre caminho para a privatização ao criar um marco legal para o setor postal. O modelo escolhido pelo governo foi a venda de 100% da empresa.
A companhia foi inserida no Programa Nacional de Desestatização (PND) em março deste ano. Em agosto, o projeto de lei, de autoria do governo Bolsonaro, foi aprovado pela Câmara dos Deputados com 286 votos favoráveis, 173 contrários, além de duas abstenções.
Mas, no Senado, a proposta estacionou na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde o relatório do senador Marcio Bittar (PSL-AC) precisa ser votado. O presidente da comissão, senador Otto Alencar (PSD-BA), por exemplo, é contra a venda do controle.
Atendendo a senadores que não concordam com a proposta de entregar a empresa 100% para a iniciativa privada, já há sugestões alternativas. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) elaborou relatório paralelo para tornar os Correios uma empresa de economia mista e oferecer apenas uma fatia ao mercado.
A questão é que os defensores da proposta trabalham contra o tempo para tentar aprovar a privatização. A secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia, Martha Seillier, entende que o Senado precisa aprovar o texto até abril para que haja tempo para cumprir os demais trâmites da desestatização.
Segundo a secretária, somente com a privatização dos Correios será possível realizar investimentos com a celeridade e com o volume necessário para modernizar a companhia, sem deixar de levar o serviço postal para todos os brasileiros.
Como é hoje?
A iniciativa privada participa da exploração dos serviços postais por meio de franquias, mas os preços seguem tabelas da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que detém o monopólio de serviços como carta e telegrama. Entretanto, já existe concorrência privada para a entrega de encomendas.
O que consta no projeto que tramita no Congresso?
Segundo a proposta, o nome da versão privatizada dos Correios será “Correios do Brasil”. O arrematante terá de adquirir 100% da empresa. Ele terá liberdade para definir preço e demais condições para o serviço de entrega de encomendas.
Em relação aos serviços postais, o titular da concessão terá exclusividade na exploração por, pelo menos, cinco anos. A regulação do setor será feita pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
A prestação dos serviços postais será concedida à empresa que comprar os Correios, pois a prestação desse serviço é hoje um dever e monopólio da União, previsto na Constituição.
Como ficará para os funcionários?
O relator da Câmara, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), incluiu em seu texto um dispositivo que prevê a estabilidade por um ano e meio para funcionários da estatal depois da privatização da empresa. Eles só poderão ser demitidos neste período por justa causa.
A empresa que vier a comprar os Correios terá, ainda, que disponibilizar aos funcionários um Plano de Demissão Voluntária (PDV), com período de adesão de 180 dias a contar da privatização.
Governo defende a privatização
Para justificar a privatização da estatal, o governo afirma que há incerteza quanto à autossuficiência e capacidade de investimentos futuros por parte dos Correios. Na avaliação do Poder Executivo, isso reforça a necessidade da privatização para evitar que os cofres públicos sejam responsáveis por investimentos da ordem de R$ 2 bilhões ao ano.
“Esperamos que em quatro anos consigamos vender duas estatais. Não é possível que um governo que se elegeu prometendo isso não possa vender duas empresas que estão descapitalizadas e não conseguem manter suas fatias de mercado. O presidente prometeu a privatização e outros Poderes impedem”, disse Paulo Guedes.
Lucros e prejuízos
Em 2013 e 2014, o prejuízo líquido da estatal foi de R$ 313 milhões e R$ 20 milhões, respectivamente. Em 2015 e 2016, os valores negativos foram de R$ 2 bilhões e R$ 1,4 bilhão, respectivamente.
De 2017 a 2020, por outro lado, a empresa registrou lucros líquidos anuais. No ano passado, o resultado foi de R$ 1,53 bilhão — o maior desde pelo menos 2001, em termos nominais, e o quinto maior dos últimos 20 anos, em valores corrigidos pela inflação. O presidente Jair Bolsonaro tem dito que a empresa deve fechar 2021 com lucro de R$ 3 bilhões.
Consumidor
A Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap) é contrária à privatização e vem realizando manifestações. O grupo argumenta que o custo do serviço postal vai aumentar e que pequenos municípios ficarão sem o serviço.
Em uma nova versão do seu relatório, Bittar acrescentou um dispositivo que proíbe o fechamento de agências em áreas remotas da Amazônia Legal e nos municípios com menos de 15 mil habitantes pelo prazo de cinco anos após a venda da estatal.
“A modificação sugerida deve ser acolhida, uma vez que é uma garantia a mais da universalização dos serviços postais”, justificou.
STF já foi acionado
Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o projeto que sustenta a privatização dos Correios.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, já se manifestou no STF contra a privatização total dos Correios. Para ele, não é possível desestatizar os serviços postais e o correio aéreo nacional.
“É inconstitucional o traspasse à iniciativa privada, mediante autorização, concessão ou permissão, do serviço postal e do correio aéreo nacional”, sustentou.
A ADI é movida pela Associação dos Profissionais dos Correios, contra a privatização. A relatora do processo na Corte é a ministra Cármen Lúcia.