Enquanto Mendonça aguarda há mais de quatro meses Alcolumbre pautar, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a sabatina para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), os dois até se cruzaram no auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa durante a abertura do fórum, nesta segunda-feira (15). Mas não se falaram.
Aliás, Alcolumbre também fugiu da imprensa, como fizera Roberto Campos Neto na última sexta-feira (12), após a ministra Rosa Weber pedir manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a possível abertura de inquérito para apurar crime de insider trading, supostamente praticado pelo presidente do Banco Central e pelo banqueiro André Esteves.
Mas o silêncio de Alcolumbre após Sputnik Brasil abordá-lo diz mais sobre ele do que sobre Mendonça. O senador do DEM-AP está acuado com as denúncias da revista Veja sobre um suposto esquema de rachadinha em seu gabinete, com um valor aproximado de R$ 2 milhões em cinco anos.
Alcolumbre sobre prazo dado por Pacheco: ‘Vamos aguardar’
Questionado se atenderia ao “esforço concentrado” anunciado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para que a Casa analise e vote indicações de autoridades para cargos públicos entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro, Alcolumbre saiu pela tangente.
“Vamos aguardar. Vim ver a palestra”, limitou-se a responder o presidente da CCJ.Indagado pelo correspondente da Sputnik Brasil se estava preocupado com o pedido do partido Podemos para que fosse afastado da presidência da comissão, ele silenciou e foi embora acompanhado de sua esposa e de seu advogado.
Por outro lado, Mendonça, que já dissera a jornalistas, pela manhã, que não falaria com a imprensa, foi solícito com a Sputnik Brasil na parte da tarde. Já tratado por interlocutores como (futuro) ministro do STF, declinou o convite de um editor “terrivelmente evangélico” para escrever um livro, sob o argumento de que está focado na sabatina, e ouviu de uma professora de Direito que, “mais do que torcendo, está tentando ajudá-lo”.
Entretanto, foi do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que chegou a ter 18 clientes na Lava Jato, que Mendonça recebeu o comentário mais entusiasmado de que já estava demorando demais para ele assumir a vaga do STF, após a indicação do presidente Jair Bolsonaro. Questionado pela Sputnik Brasil se estava ansioso e se esperava ser sabatinado entre 30 de novembro e 2 de dezembro, como prometera Pacheco, o ex-ministro da Justiça foi sereno na resposta.
“Essa é a expectativa. Mas estou em paz”, resumiu Mendonça.
Mais franco e aberto a perguntas do que seus convidados, o anfitrião Gilmar Mendes também comentou a indicação de seu provável futuro colega de STF. Na entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, ele ainda criticou o ex-juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, que se aventuraram na política e devem ser candidatos nas próximas eleições.
Leia a íntegra da entrevista a seguir:
Sputnik: Como é a sensação de voltar a realizar o Fórum Jurídico de Lisboa depois de um longo ano pandêmico?
Gilmar Mendes: Na verdade, foram quase dois anos. É uma sensação muito boa. Primeiro, porque a gente considera como superada, pelo menos parcialmente, essa limitação imposta pela pandemia. É claro que nós precisamos continuar atentos. Mas voltamos a poder nos reencontrar de maneira muito proveitosa e prazerosa. Está sendo o maior evento que nós já conseguimos fazer. Não só a presença de autoridades, mas também de um grande público, uma demanda enorme dos brasileiros para participarem dos painéis paralelos. Será o maior número de painéis paralelos que já fizemos. Praticamente todos os dias vamos ter, ao lado dos debates do seminário principal, esses painéis em que vão estar sendo discutidas questões sanitárias, de energia, regulatórias, o problema da saúde. Em suma, muitos dos temas que estão sendo discutidos no painel central também vão ser discutidos nesses painéis especializados, o que faz com que tenhamos até que talvez pensar para o ano [que vem], mantidas as condições de normalidade sanitária, um modelo maior de evento. Estou extremamente satisfeito com esse reencontro com os nossos colegas portugueses e que vieram de outros países. Na verdade, ele é falsamente um encontro luso-brasileiro, é um encontro internacional mesmo, não só [com] autoridades brasileiras e portuguesas, mas espanholas, italianas e de outros países.
S: Numa dessas mesas paralelas, hoje (segunda-feira), tivemos a do André Mendonça. Como está a receptividade a ele no STF, nessa expectativa da sabatina para ele entrar na vaga remanescente?
GM: Essa é uma questão que se desenvolve no campo político, não tem intervenção do STF. É um tema que está sendo tratado pelo Senado, e nós temos que esperar esse encaminhamento. Por acaso, até como você pode constatar, estão presentes em Lisboa tanto o André Mendonça, que foi nosso convidado e vai ter um papel nesse seminário, como também o senador Davi Alcolumbre, que é o presidente da CCJ.
S: O senhor, particularmente, gostaria que Mendonça fizesse parte da Corte?
GM: Ele tem as qualidades para integrar a Corte. Agora, esse é um processo complexo, que envolve, como nós estamos vendo, não só a vontade do presidente da República, mas também a do Congresso Nacional pela sua Casa mais alta, o Senado Federal. Então, esperemos que isso tenha um desfecho.
S: Para além do fórum jurídico, o senhor estava com saudade de Lisboa? Em algum momento passa pela sua cabeça, depois que se aposentar, morar aqui?
GM: Essa é uma cogitação que sempre fica. Tenho já uma morada aqui, venho sempre que posso e tenho amigos. Estou bastante integrado na comunidade, e estamos inclusive desenvolvendo outros projetos. Criamos uma associação, o Fórum de Integração Brasil-Europa (FIBE), que vai fazer eventos culturais e desenvolver estudos e pesquisas em áreas que transcendam o Direito. Já fizemos seminários recentes, lançando essa ideia. Ainda ontem [domingo], lançamos um livro, na livraria Travessa, de outros autores, inclusive trabalhos de pesquisa que já tinham sido realizados pelo IDP e por outras instituições acadêmicas. Estamos de fato muito integrados, queremos que isso se desenvolva e que a comunidade brasileira hoje, muito grande em Portugal e em Lisboa especialmente, participe desses eventos.
S: Falando da comunidade brasileira residente em Lisboa, o senhor já foi hostilizado por brasileiros aqui mais uma vez, talvez até mais do que no Brasil. A que o senhor atribui isso?
GM: Esse protesto normal acho que decorre dessa contaminação da política nacional, esse conflito que se arma. Os políticos hoje mais responsáveis querem evitar essa polarização que acaba levando a esse quadro. Na verdade, a gente tem esse tipo de episódio, que acaba sendo divulgado, mas, em geral, sou extremamente bem recebido em todos os locais por brasileiros. Ainda ontem, passei por uma situação quase inédita. Depois de encerrar a minha viagem no Uber, o motorista pediu para tirar uma foto comigo. Esses episódios normalmente não ficam registrados. Mas sou uma pessoa extremamente bem tratada aqui, inclusive pela comunidade brasileira. Mas é claro que surgem essas situações de pessoas que se sentem envolvidas com um lado ou outro da controvérsia política, e ficam achando que nós somos atores desse processo. Portanto, acabam manifestando sua satisfação, o que também é compreensivo.
S: O que o Brasil tem a aprender com Portugal com essa crise política após a não aprovação do orçamento, que vai levar o presidente Marcelo Rebelo de Sousa a dissolver o Parlamento e antecipar a convocação das eleições?
GM: Esse é um tema ao qual nós temos dado sempre atenção. Em todos os seminários de uns tempos para cá, temos colocado essa temática na roda no debate e nós vamos ter dois painéis sobre o semipresidencialismo, com presença de autores estrangeiros e também de brasileiros. Até o [ex-] presidente Michel Temer participará desse painel sobre o semipresidencialismo no Brasil. Acho que aqui nós temos algo a aprender, mas sobretudo me parece que Portugal nos dá um exemplo de uma certa harmonia e civilidade. A despeito de terem surgido talvez partidos mais tendentes a um certo extremismo, ainda assim são relativamente pacíficos. Aparentemente não são agressivos. A política brasileira, como se sabe, se tornou nos últimos anos extremamente agressiva. Eu acho que esse é um aprendizado que a gente deve ter em relação a Portugal: nós podemos divergir sem desrespeitar o adversário. O adversário não é necessariamente um inimigo. Pode ser até, no futuro, um aliado. O Parlamentarismo também ensina isso, porque exige composição. O que é a Geringonça, senão uma composição que se considerava inicialmente não plausível?
S: Mas o senhor acha que a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas são menos traumáticas do que um processo de impeachment?
GM: Com certeza, sem dúvida nenhuma é uma solução política para um problema político que se colocou. O processo de impeachment de um presidente que foi eleito para 4 anos de mandato gera uma série de rescaldos, de machucaduras e de lesões de difícil cura.
S: Há fundamentos jurídicos para o impeachment de Bolsonaro?
GM: Não vou emitir juízo sobre isso. Quem pode emitir juízo sobre isso são Câmara e Senado. Ali é o foro adequado. Isso é um tema que inclusive saiu do Judiciário. Desde sempre, nas nossas constituições republicanas, isso ficou afeito aos quadros políticos.
Os presidentes da República, Jair Bolsonaro, e da CCJ, Davi Alcolumbre© Foto / Isac Nóbrega /
PRS: E para os crimes indiciados pela CPI da COVID-19?
GM: Também aqui vamos aguardar a participação da PGR. Ela que terá que emitir juízo sobre isso. Recebeu os documentos por parte da CPI da COVID e vai fazer os devidos encaminhamentos.
S: Quando o senhor vai levar a julgamento, pela Segunda Turma do STF, o foro especial do senador Flávio Bolsonaro?
GM: Tenho expectativa de que ainda este ano.
S: Qual sua opinião sobre a decisão do STJ, que anulou decisões do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal?
GM: Não examinei essa questão e também não me cabe examinar. O STJ, por uma ampla maioria, entendeu haver problemas na condução desse processo e houve por bem anular.
S: Quais as similaridades entre os casos de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro e de Davi Alcolumbre?
GM: Também não conheço esses detalhes e sequer conheço detalhes do próprio processo do Flávio Bolsonaro. O que está comigo é apenas uma reclamação sobre a questão de competência.
S: As eventuais candidaturas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol mostram que havia um projeto político de poder por trás da Lava Jato?
GM: Tenho a impressão de que sim. Várias medidas foram tomadas com o objetivo de influenciar no processo político ou no processo eleitoral. Mais do que isso, se nós olhamos aquilo que se popularizou no Brasil como Fundação Dallagnol, que tinha um fundo de R$ 2 bilhões para supostamente combater a corrupção, hoje nós podemos ver que talvez fosse um fundo eleitoral. E me parece então que eles já atuavam, portanto, sob a toga com vestes partidárias. Isso me parece um problema que certamente vai ser discutido quando e se essas candidaturas se colocarem.
André Mendonça e Sérgio Moro, então Advogado-Geral da União e ministro da Justiça, respectivamente© Foto / Roque de Sá / Agência Senado
S: Em entrevista à Mara Luquet, o senhor aconselhou o Moro a estudar. Por quê? Falta-lhe conhecimento jurídico e/ou traquejo político?
GM: Na verdade, já vimos os pronunciamentos e os escritos do Moro. Ele precisa saber obviamente que o mundo vai além desses processos e também daquele universo de Curitiba. Todos nós precisamos estudar mais. E certamente ele também precisa fazer…
S: Com as palavras também, como “conje” (sic)?
GM: São problemas gerais, tanto na área jurídica como na área de formação geral. Acho que certamente se ele quer ter participação, seja lá como parlamentar seja lá como candidato, eventualmente, a presidente da República, isso exige um tipo de conhecimento da própria realidade do país que vai além dessas tramas do processo penal.
S: E ao Dallagnol o que é que falta? Aprimorar o PowerPoint?
GM: Não vou emitir juízo sobre isso.
S: Para terminar, queria saber sua opinião sobre essa questão da Defensoria Pública da União, sobre a qual o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas agora, a respeito do poder de requisição que a PGR pediu para suspender.
GM: Acho uma discussão relevante. Ainda hoje a Folha [de S. Paulo] traz, salvo engano na coluna da Mônica [Bergamo], matérias dizendo que a Defensoria Pública tem se utilizado desse poder de requisição para se informar sobre prisões abusivas verificadas. Portanto, tem obtido a liberação de presos que teriam sido presos injustamente. Acho que temos que olhar isso com muito cuidado. Inicialmente, a abordagem que se estava fazendo no tribunal era de que os defensores públicos exercem uma mera função de advocacia, ainda que de pessoas pobres, hipossuficientes. Mas, hoje, a Defensoria Pública, por exemplo, atua nas ações coletivas, pode propor ação civil pública e, talvez, houvesse aqui uma justificativa para esse tipo de providência. Em suma, acho que é saudável o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes para que esse tema seja examinado com muita cautela. O próprio ministro [Edson] Fachin já votou pela improcedência da ação. Portanto, está validando o poder de requisição das defensorias públicas.
S: E o senhor já tem uma opinião formada sobre esse caso?
GM: Estou refletindo sobre isso e saúdo a iniciativa do ministro Alexandre [de Moraes] para que a gente possa examinar essa temática com maior profundidade possível.