Não sei quanto a vocês, mas eu perdi a conta do número das metáforas – em geral, meio bobocas – usadas pelos jornalistas (sim, culpados) para descrever a influência e o legado da chanceler federal Angela Merkel para a política alemã.
Nos últimos 16 anos, escutamos muitos louvores a ela, indo desde descrições como “um rochedo de estabilidade” e histórias de que sua popularidade havia “atingido novas alturas”, até advertências de que seu sucessor vai encarar uma “batalha morro acima” (um assunto que segue ocupando a Alemanha).
Um rochedo, um morro ou uma montanha são objetos inamovíveis. Aplicados à União Democrata Cristã (CDU), inflexibilidade e autocomplacência num mundo pós-Merkel sugerem estagnação ou ainda mais derrocada para esse antes poderoso Volkspartei, reminiscente do declínio do outra grande sigla alemã, o Partido Social-Democrata (SPD).
Sociedade alemã sempre será burguesa
No papel, pelo menos, social-democratas e verdes estão enfatizando a necessidade de renovação fundamental para que o país possa encarar os muitos desafios à frente, em especial a crise climática e – finalmente – o ingresso no século 21. Apesar de todas as afirmativas em contrário, a CDU parece ainda estar atolada no acomodado “weiter so” (continuemos assim) da política de Merkel.
Mas aqui está o paradoxo: embora até certo ponto seja publicamente reconhecida a necessidade de algum tipo de mudança, a política alemã é alicerçada no conservadorismo e na tradição de não abalar o status quo. Lá no fundo, será sempre uma sociedade burguesa: a mudança só é bem-vinda se não compromete a riqueza e a prosperidade.
A alegação da CDU de que uma possível coalizão com o SPD, o Partido Verde e o A Esquerda de algum modo constituiria uma guinada política para a esquerda radical, acarretando a perdição para a Alemanha, é alarmismo sem despropositado. Nos dias de hoje, é difícil pensar numa combinação mais convencional e inócua do que os social-democratas e os verdes alemães.
Candidato numa saia justa
O candidato da CDU à chefia de governo, Armin Laschet, pode estar certo que estará errado, não importa o que faça: é uma saia justa em que ele entrou no momento em que foi sagrado eventual sucessor de Merkel.
Ele deve se apresentar como um recomeço absoluto, libertar-se das cadeias da era Merkel, sob o risco de desagradar o tradicional núcleo eleitoral democrata-cristão, na faixa etária acima dos 65 anos? Ou jogar seguro, promovendo a estabilidade, aceitando o papel de continuação natural a 16 anos de Merkel?
Foi a própria chanceler federal a bater o último prego no caixão de Laschet e qualquer tentativa sua de se apresentar como um candidato da renovação. Pela maior parte da campanha, Merkel parecia ter esquecido que era filiada à CDU, aparentando cansada, indiferente e apática, longe de qualquer evento eleitoral.
Mas à medida que foi se assomando o espectro da já mencionada coalizão de centro-esquerda com o SPD, o Partido Verde e o A Esquerda, a veterana conservadora se apressou a endossar Laschet oficialmente. Com isso, ficou aniquilada para ele qualquer esperança de partir de uma folha em branco: a “Mutti”, a mamãezona da nação, essencialmente declarou como delirante qualquer pretensão de mudança visionária.
Modernizar o partido antes de modernizar o país
Na política, mudança só pela mudança é uma faca de dois gumes. Houve um suspiro coletivo de alívio quase palpável quando, em 1998, a CDU perdeu as eleições para os social-democratas, dando fim aos 16 anos de chefia de governo de Helmut Kohl (aliás, faria muito bem à Alemanha limitar em dois o número de mandatos à frente da Chanceleria Federal). Astutamente, Gerhard Schröder reconheceu os sinais dos tempos, embarcando numa ambiciosa agenda reformista que mudou a cara da social-democracia e do país.
Ao assumir o poder em 2005, Angela Merkel demonstrou sua tão admirada perspicácia política, ao não descartar a Agenda 2010 – as reformas do mercado de trabalho e os sistemas de seguridade social e saúde – de Schröder. Ela antecipou corretamente que, no fim das contas, essas mudanças beneficiariam a Alemanha.
Evolução partidária é um processo laborioso e complexo. Para os verdes, foi antes uma revolução: basta ver como eles se transformaram, de uma legenda de protesto, cujos membros tricotavam pulôveres e cachecóis no parlamento, para passar o tempo, a um partido estabelecido (há quem diria “chato”) que apoiou o envolvimento da Alemanha na guerra contra a Iugoslávia liderada pela Otan.
Admito, eu estou tendo dificuldade de conciliar a imagem de revolução com a natureza monótona e pouco aventureira da União Democrata Cristã. Um dos pôsteres da atual campanha retrata Laschet com o slogan “Gemeinsam für ein modernes Deutschland” (Juntos para uma Alemanha moderna). A sigla conservadora deveria reduzir suas ambições e primeiro modernizar a si mesma – quer vença, quer perca esta eleição.
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Rob Mudge é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente do G7.