A Sputnik Brasil conversou com dois especialistas sobre as consequências desse retorno à ribalta do ex-presidente para o governo Bolsonaro, as eleições de 2022 e para a própria carreira política do emedebista.
Ao participar do Painel Telebrasil 2021, principal encontro do setor de telecomunicações no Brasil, o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) afirmou que o presidencialismo brasileiro está “esfarrapado” e defendeu que o país deveria adotar o semipresidencialismo.
Questionado se considera que a democracia está em risco, o ex-presidente respondeu que sim e sublinhou as instabilidades criadas pelos impeachments de dois presidentes e por inúmeros pedidos de impedimento.
“Eu acho que sim, com toda franqueza. E eu digo disso porque temos uma Constituição muito jovem, ela não fez 33 anos. E, apesar da juventude da Constituição, nós já tivemos dois impeachments e, além de dois impeachments, tivemos também inúmeros pedidos de impedimentos. Vocês sabem que tanto os impeachments causam traumas no país, como de resto, os próprios pleitos de impeachment a todo momento também causam instabilidade política e social. Eu tenho dito com muita frequência que nosso presidencialismo está esfarrapado”, afirmou Temer, citado pelo jornal Gazeta do Povo na terça-feira (21).
Fernando Collor de Mello sofreu impeachment em 1992 por corrupção e Dilma Rousseff em 2016 por crime de responsabilidade. Existem atualmente 137 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que aguardam a análise do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
© FOTO / ALAN SANTOS / PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICABolsonaro diz que Collor é um ‘um homem que luta pelo interesse do Brasil’, em Piranhas (AL).
No evento, Temer falou ainda sobre o que o governo deve fazer para atrair investimentos e voltar a crescer. Desde que ajudou o presidente a redigir a “Declaração à Nação”, em que Bolsonaro afirma que nunca teve “intenção de agredir quaisquer dos Poderes”, Temer voltou aos holofotes e muitos consideram que o ex-presidente pode ter papel importante nas eleições do ano que vem.
A Sputnik Brasil conversou com dois especialistas sobre as consequências desse retorno à ribalta do emedebista para o governo Bolsonaro, as eleições de 2022 e para a própria carreira política do ex-presidente: André Luiz Coelho, cientista político da UNIRIO, e Daniel de Mendonça, doutor em Ciência Política pela UFRGS e professor do curso de graduação em Ciências Sociais e do programa de pós-graduação em Ciência Política da UFPel.
Deputado, presidente e conselheiro
Michel Temer foi deputado federal por seis mandatos e presidiu a Casa por três vezes. De 2001 a 2010 presidiu o Diretório Nacional do PMDB. Em 2011, licenciou-se do posto ao assumir a vice-presidência da República, cargo que ocupou até 2016, quando assumiu como presidente. Em 1º de janeiro de 2018, Temer passou a faixa presidencial para Jair Bolsonaro e afirmou que saía “com a alma leve e a consciência do dever cumprido”.
© AP PHOTO / SILVIA IZQUIERDOJair Bolsonaro recebe abraço de Michel Temer em sua tomada de posse, Brasília, 1º de janeiro de 2019
André Luiz Coelho recorda que Temer deixou a presidência em uma situação “muito complicada”, com acusações de corrupção e popularidade muito baixa. Em junho de 2018, 82% dos brasileiros descreveram seu governo como ruim ou péssimo. Essa foi a maior taxa de reprovação já registrada pelo Datafolha.
Em março de 2019, o ex-presidente foi preso pela força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro suspeito de liderar uma organização criminosa para desvios de dinheiro público. Temer foi solto quatro dias depois.
Em agosto de 2020, Temer é destacado por Bolsonaro para chefiar missão oficial brasileira no Líbano após forte explosão atingir o país do Oriente Médio. Composta por Temer e mais 12 integrantes, a comitiva levou alimentos, medicamentos e insumos básicos de saúde aos libaneses.
ALAN SANTOS/PRMichel Temer discursa antes de embarcar para o Líbano
Em 9 de setembro deste ano, Bolsonaro convidou Temer para um almoço no Palácio da Alvorada, em Brasília. O encontro durou cerca de quatro horas e teve como resultado a “Declaração à Nação“, divulgada no site do governo federal, no qual o Bolsonaro afirma que nunca teve “intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.
Nos atos do 7 de setembro, o presidente fez discursos com fortes críticas ao Judiciário, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal (STF). O principal alvo das críticas foi o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos contra o presidente e seus aliados. Bolsonaro afirmou que descumpriria decisões de Moraes, a quem chamou de canalha.
”[Temer] é alguém importante para o governo Bolsonaro, como uma espécie de conselheiro para momentos complicados, de bombeiro para momentos em que a situação se agrava, como foi nas manifestações […]. Nesse caso, Temer era particularmente importante porque o alvo [de Bolsonaro] foi o STF, especificamente a figura do Moraes, que foi indicado pelo Temer para o STF”, comenta Daniel de Mendonça.
Questionado se Arthur Lira não deveria ter tido essa função de bombeiro, uma vez que o papel de mediador normalmente é executado pelo presidente da Câmara, Coelho explica que Lira não se coloca como nesse papel, abrindo assim espaço para Temer.
“[Lira] não se mostra em nenhum momento com alguém disposto a controlar Bolsonaro […]. Ele não critica os arroubos antidemocráticos e golpistas de Bolsonaro, então Lira não se coloca como negociador válido, desejável ou neutro. Nesse sentido, Temer, de maneira muito mais inteligente, não se coloca como alguém submisso a Bolsonaro, como alguém que vai sempre apoiar Bolsonaro. Ele seria aquela espécie de conselheiro político que teria condições de falar as verdades e controlar mais Bolsonaro”, afirma o cientista político da UNIRIO.
© REUTERS / UESLEI MARCELINOPresidente do Brasil Jair Bolsonaro cumprimenta Câmara dos Deputados Arthur Lira, após reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, Brasil, 25 de março de 2021
Político hábil e influente
A carta que Temer ajudou Bolsonaro a redigir não foi a primeira missiva do emedebista que ganhou destaque. O portal G1 relembra que em 1999, Temer participou na confecção de uma carta que impediu que Bolsonaro perdesse seu mandato de deputado federal por pregar um golpe de Estado.
Mas a missiva mais famosa do ex-presidente foi divulgada em dezembro de 2015 e endereçada à presidente Dilma Rousseff. Menos de um ano depois, Temer virou presidente.
© FOLHAPRESS / DANIEL MARENCOPresidente Dilma Rousseff e vice-presidente Michel Temer se encontram com lideranças políticas durante campanha do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, 24 de julho de 2014
“Temer é um político muito hábil […]. Tão hábil que ele consegue ser o articulador do que considero o ‘neogolpe’ que tira a Dilma do poder em 2016. Ele reedita com Bolsonaro o mesmo modus operandi que ele fez com Dilma. Quando ele corta as relações com Dilma, ele faz uma carta endereçada para Dilma e lista todos os problemas que ele via na relação. Ele usa esse mesmo expediente da carta agora. Interessantíssimo perceber que esse expediente da carta é retomado”, avalia André Luiz Coelho.
Daniel de Mendonça também destaca a habilidade política do ex-presidente, afirmando que Temer possui uma forte influência política nos bastidores em Brasília e “conhece como ninguém a Câmara dos Deputados“.
“Temer tem a característica de ser um político extremamente plástico, capaz de ser o conselheiro de Bolsonaro nesses momentos difíceis da mesma maneira como foi capaz de ter sido vice-presidente da Dilma Rousseff. Essa maleabilidade do Temer faz com que ele seja procurado por outros políticos e Bolsonaro, como é um presidente que está muito isolado, vê em Temer essa possibilidade de tentar, pelo menos no nível institucional, garantir a continuidade do seu governo”, analisa o professor da UFPel.
LULA MARQUES / AGÊNCIA PTDilma Rousseff e o vice-Presidente, Michel Temer, se encontram nesta quarta-feira (9)
Capital político e eleições em 2022
Temer percebe uma janela de oportunidade para voltar a ser alguém relevante e reposicionar sua carreira política, “de um presidente que sai mal avaliado e vai preso para um salvador da pátria”, pondera André Luiz Coelho.
“Hoje ele aparece no vácuo que Bolsonaro deixa […]. Temer é representante da velha política, da política tradicional, e se mostra como o negociador com a nova política de Bolsonaro”, considera Coelho.
Mesmo com esse ganho de capital político recente, Daniel de Mendonça não acredita que o ex-presidente tenha ambições de ocupar um cargo majoritário.
“Acho um tanto exagerado supor que o ex-presidente, uma pessoa que conhece tão bem a política, considere a possibilidade de se candidatar. Visto que ele nem tentou se candidatar à reeleição, pelo fato de seu governo ter sido altamente impopular […]. Não vejo Temer com ambição para um cargo eletivo, já é um político com certa idade e não sei até que ponto ele estaria disposto a concorrer a uma vaga, mesmo para a Câmara dos Deputados. Não vejo isso, mas posso estar enganado”, avalia Mendonça.
Entretanto, o professor da UFPel ressalta que Temer teria possibilidades de se eleger deputado federal, principalmente porque atualmente a imagem do ex-presidente está muito mais positiva do que em 2018, quando ele deixou o governo federal.
© FOLHAPRESS / PEDRO LADEIRAEx-presidente Michel Temer (MDB). Foto de arquivo
André Luiz Coelho, por sua vez, acredita que Temer não teria chance de ser eleito presidente, governador ou senador, mas concorda que o emedebista pode voltar à Câmara dos Deputados.
“[Temer] mostra que deseja voltar à política, aos holofotes, a ter protagonismo. Ele vai ser alguém importante nas eleições de 2022 […] já existe especulação de que a estratégia do Temer seria se candidatar a deputado federal em 2022 e voltar como presidente da Câmara e voltar a ter protagonismo”, afirma Coelho.
Com relação à sucessão de Bolsonaro, Temer disse no Painel Telebrasil 2021 que começa a perder o entusiasmo pela terceira via, e acrescentou que sabe de pelo menos dois candidatos que não vão desistir de concorrer.
“Eu sou muito franco: no começo eu tinha entusiasmo por ela [a terceira via], mas eu vejo que no presente momento começa a espalhar um pouco os votos […]. Eu já tenho ciência de duas que não abrirão [mão de concorrer]. Se houver mais uma, mais de três candidaturas, é claro que falece, digamos assim, a ideia de uma terceira via unificada, e a polarização vai continuar da mesma maneira”, afirmou o ex-presidente.
Entre os nomes que se apresentam como terceira via estão os tucanos João Doria e Eduardo Leite, Ciro Gomes (PDT) e o ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM).